10

390 35 15
                                    

Jota

- Clara - chamo a sua atenção, enquanto ambos preparamos umas sandes. Ela faz-me sinal para que continue enquanto continua com o seu trabalho - Eu não queria estar a ser intrometido, mas notei que, quando falei sobre não querer incomodar os teus pais, te pronunciaste apenas sobre o teu pai. Eles estão separados? - pergunto e a rapariga olha para mim surpreendida, pousando a faca que segurava e virando-se na minha direção.

- A minha mãe morreu há cinco anos num acidente de viação - responde, o que me faz logo arrepender de ter feito tal pergunta.

- Desculpa, se eu soubesse não tinha pux... - tento desculpar-me, mas a Clara interrompe-me.

- Não te preocupes - abana a cabeça sem dar importância aquilo que eu tinha feito - É bom falar sobre ela de vez em quando, faz-me senti-la presente - sorri, mas com um sorriso diferente de todos aqueles que já tinha visto estampados no seu rosto. Este era um sorriso triste - Toda a gente que a conheceu enquanto ainda era viva, e que me conhece a mim, diz que somos parecidas - continua, voltando a pegar na faca para cortar o pão em metades - Não sei se isso é bom, ou mau - admite.

- Como assim? - volto a perguntar, mesmo sabendo que talvez não devesse. Ela volta a olhar-me. 

- É bom saber que sou parecida com ela, que tenho algo dela comigo, entendes? - sei que não quer uma resposta - Mas, por outro lado, parece que toda a gente quer que seja exatamente como ela. Principalmente a minha avó, que nunca ultrapassou a morte da filha, o que acho completamente compreensível. Acho que perder um filho é provavelmente a pior coisa do mundo, só acho que ela não me devia pressionar porque eu não sou a minha mãe - explica e faço sinal para que continue, ansiando por mais. Estou a ver um lado da Clara que nunca antes tinha visto e o facto de ela confiar em mim para isso deixa-me feliz, por muito que um assunto seja infeliz - Toda a gente quer que eu seja tão bonita como a minha mãe, tão simpática como ela e tão boa bailarina quanto ela e eu não sei se consigo chegar a esse nível - desabafa, suspirando por fim.

- Nunca vi nenhuma foto da tua mãe, mas devo dizer-te que a tua beleza é inegável - confirmo um pouco envergonhado e vejo-a sorrir, baixando a cabeça também um tanto embaraçada - E mostraste-te uma pessoa simpática connosco desde início - continuo, mas ela volta a interromper o meu discurso.

- Não fui eu que fui simpática, foram vocês. Se a Inês e a Matilde não tivessem vindo falar comigo, provavelmente nem estaríamos aqui hoje - contrapõe, dando de ombros.

- Também as podias ter afastado, mas não o fizeste - contra-argumento e ela dá-me razão - Quanto à parte da dança... Bem, eu nunca te vi dançar, mas do pouco que te conheço já deu para reparar que és uma rapariga super determinada e que corre à luta pelos objetivos e, por isso mesmo, tenho a certeza de que és uma bailarina incrível - concluo levando-a a sorrir.

- É verdade que nunca viste. Um dia tens de ir ver um ensaio meu, ou um sarau mesmo - sugere - Tu e eles, claro - diz mais atrapalhada, o que me faz rir.

- Com certeza, mas também tens de me prometer que vais ver um dos meus treinos, de preferência com uma camisola do Benfica - brinco com a sportinguista que se mostra (falsamente) ofendida.

- Só se me quiseres ver deserdada - brinca também.

- Isso seria um problema? - pergunto e ela mostra-me um olhar confuso - Namorares com alguém de outro clube? - volto a interrogar, curioso.

- Não. Como te disse não ligo muito a futebol. Não é que não goste, porque também acho que é preciso talento e muito trabalho, tal como na dança e, por isso mesmo, admiro todos os jogadores. Tanto de futebol quando das outras modalidades. E do desporto, no geral. O próprio desporto em si proporciona grandes espectáculos - fala convictamente.

- Ora, nunca na vida comparei o futebol com a dança, mas sim, tens toda a razão - falo e ela sorri para mim, orgulhosa acabando depois por se afastar para retirar o gelo do congelador e fazer o sumo de laranja - E o teu irmão? Ele não se importa com isso? - novamente a minha curiosidade fala mais alto, mas a Clara parece não perceber onde quero chegar - É que a Matilde é benfiquista - digo e a rapariga solta uma gargalhada e que bem que aquele som fez aos meus ouvidos. Para, João Pedro!

- Não, não é qualquer impedimento para ele - responde, enquanto coloca as laranjas na Bimby - A ex-namorada dele também era benfiquista - sinto uma ligeira diferença no tom da sua voz e o sorriso desaparece-lhe do rosto.

- Está tudo bem? Disse alguma coisa de errado? - apresso-me a perguntar e ela volta a olhar-me.

- Não - abana a cabeça - Não foi nada que disseste, é só que... - tenta arranjar as palavras corretas - A Sofia, a ex-namorada do Ricardo... Bem, eles não acabaram nas melhores condições - volta a dar de ombros, tentando mostrar-se indiferente a situação, mas percebo que algo a afeta.

- Queres falar sobre isso? Sou todo ouvidos - digo amigavelmente enquanto a aprecio a trabalhar.

- Ela e eu éramos melhores amigas antes mesmo de eles começarem a namorar - começa - E ao princípio não gostei muito do namoro deles porque a senti afastar-se de mim, mas depressa percebi que não tinha o direito de ficar chateada e de interferir no amor que sentiam um pelo outro - conta enquanto olha para o vazio - O problema é que descobri que ela não gostava tanto dele quanto dizia quando a apanhei aos beijos com o Santiago, o meu ex-namorado - as suas palavras chocam-se e percebo a sua angústia a falar sobre o assunto - Eu fiquei muito mal com a situação, mas o Ricardo ficou completamente despedaçado. No fundo o que me magoou mais nem foi perder o meu namorado, porque acredito que aquela relação também já não tinha pernas para andar, mas sim o facto de que duas das pessoas em quem eu mais confiava tivessem magoado o meu irmão daquela forma. Nós nem amigos ficámos e acredita, passamos por muita coisa os quatro - sorri, muito provavelmente ao relembrar algumas memórias.

- Eu nem sei o que te diga - falo, ainda atordoado com aquilo que acabei de ouvir.

- Não precisas de dizer nada - sorri, tentando aliviar o ambiente - Foi por tudo isto que, no início, não achei muita piada a aproximação da Matilde e do Ricardo. Porque, da última vez, não correu bem, entendes? - não percebo se queria que me pronunciasse, mas acabo por o fazer.

- Sim, acho que é compreensível - confirmo - Então tu e esse Santiago já não mantêm contacto?

~

Halo! Neste capítulo puderam ficar a saber mais sobre a vida privada da nossa Clara. O que é que estão a achar de tudo isto?
Queria, nesta história, acima de tudo, criar uma relação de grande amizade  e confiança entre as personagens principais, o Jota e a Clara, antes de mais nada. Acham que estou a conseguir demonstrá-lo?
Os vossos comentários são sempre bem-vindos, não se esqueçam 😉
Beijocas 😘

New Friendly | JOTAWhere stories live. Discover now