Dixième

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HERLA SE AFASTA. Fico sozinho no corredor, digerindo suas palavras.

Eu costumava pensar que existia apenas uma divisão: prateados e
vermelhos, ricos e pobres, reis e escravos. Contudo, há muito mais entre esses dois extremos, coisas que não entendo, e estou bem no meio delas. Cresci me perguntando todos os dias se haveria comida suficiente para o jantar. Agora estou num palácio prestes a ser devorado vivo.

A frase “vermelho na cabeça, prateado no coração” não me sai do
pensamento e serve de guia para minhas atitudes. Abro bem os olhos para contemplar o grandioso palácio que tanto Harry como Harriet nunca
imaginaram, mas meus lábios permanecem firmes. Harriet se
impressiona, mas guarda suas emoções para si. É frio e insensível.

As portas no fim do corredor abrem-se para revelar o maior salão que já vi, maior até que a sala do trono. Acho que nunca vou me acostumar com o tamanho brutal deste lugar. Atravesso a porta e me deparo com uma escadaria. Os degraus levam a um espaço amplo onde todas as Casas aguardam impassíveis minha chegada. Mais uma vez, agrupam-se por cores. Alguns cochicham entre si, provavelmente sobre mim e meu
showzinho. Sobre uma plataforma elevada a quase um metro do chão,
Tiberias e Herla erguem-se diante dos súditos. Nunca perdem a chance
de exercer seu domínio sobre os outros. Ou são vaidosos ou muito
cuidadosos. Parecer poderosos os torna poderosos.

Os príncipes combinam com os pais, vestindo também vermelho e
preto. Embora diferentes, ambos os trajes são decorados com medalhas
militares. Shawn está à direita do pai, com o rosto impassível. Se já sabe
com quem vai se casar, não parece muito animado com a escolha. Louis
também está lá, à esquerda da mãe, com um rosto que lembra uma nuvem
de tempestade carregada de emoções. O irmão mais novo não é tão bom
como Shawn em esconder o que sente.

Pelo menos não terei de lidar com um bom mentiroso.

— O rito da Prova Real é sempre um evento afortunado, representando
o futuro do nosso grande reino e os elos que nos mantêm fortemente
ligados diante dos inimigos — fala o rei dirigindo-se à multidão, que
ainda não me vê no canto do salão. — Mas, como vocês viram hoje, a
Prova Real trouxe-nos mais do que somente a futura rainha.

Ele se volta para Herla, que enlaça sua mão na dele com um sorriso devoto. A mudança de vilã demoníaca para rainha pudica é impressionante.

— Todos recordamos nossa luminosa esperança contra a escuridão da
guerra, nosso capitão, nosso amigo, general Desmond Titanos — Herla diz.

Um burburinho, de carinho ou tristeza, percorre o ambiente. Mesmo o patriarca Samos, pai cruel de Camila, inclina a cabeça.

— Ele liderou a Legião de Ferro à vitória, fazendo as linhas da guerra
que já haviam durado quase cem anos recuar. Temido por Lakeland, amado por nossos soldados.

Duvido muito que sequer um soldado vermelho amasse seu general prateado.

— Espiões de Lakeland assassinaram nosso amado amigo Desmond.
Esgueiraram-se pelas trincheiras e destruíram nossa única esperança de
paz. Sua esposa, Lady Nora, uma mulher boa e justa, morreu com o
marido. Naquele dia fatídico há quinze anos, a Casa Titanos se perdeu.
Amigos foram arrancados de nós. Nosso sangue foi derrubado.

Agora é o silêncio que preenche o salão enquanto a rainha faz uma
pausa para enxugar lágrimas dos olhos que sei que são falsas. Algumas
das participantes da Prova Real se inquietam em seus assentos. Não se
importam com um general morto; nem a rainha se importa, não de
verdade. A questão aqui sou eu, é como botar a coroa na cabeça de um
vermelho sem que ninguém perceba. É um truque de mágica, e a rainha é
habilidosa nisso.

The Red King (Larry Stylinson) Where stories live. Discover now