Capítulo 12

63 10 2
                                    

Eu queria poder dizer que acordei com um lindo sorriso nos lábios ao vê-lo ao meu lado dormindo como um anjo, ou que acordei com os cabelos perfeitamente arrumados, o rosto maquiado, e um lençol cobrindo o meu corpo dos seios para baixo e apenas os quadris dele, como em filmes, mas não. Acordei cansada e com o rosto inchado, bocejando e com os cabelos completamente desgrenhados. O lençol não formava um “L” pois estava embolado no chão e uma das minhas pernas sobre a coxa dele. Ele não dormia como um anjo nem nada do tipo, era algo mais comum como deitado de bruços com a cara amassada no travesseiro.
Eu me levantei da cama, preguiçosamente, tentando me espreguiçar sem acordá-lo com algum ruído que a minha alma desastrada insistia em produzir. Embora quisesse vestir sua camisa, como as mulheres sempre fazem na televisão, eu vesti meu robe de seda, afinal, sua camisa estava completamente encharcada no chão da sala.
Descalça, saí do quarto de forma mais silenciosa possível e me dirigi até a cozinha em busca de algo para beber e comer. Liguei a cafeteira – agradeço a Deus todos os dias pelo inventor da cafeteira, ela salva a minha vida – e vasculhei as prateleiras e os armários em busca de algo para comer, quando senti algo fofo se esfregando em minhas canelas.
— Oi, Audrey. — Eu me agachei para fazer carinho em sua cabeça, enquanto ela andava entre minhas pernas, esfregando-se em mim. — Está com fome? — Indaguei com a habitual voz de bebê que usava para falar com a bichana. — O que acha disso? — Peguei leite na geladeira e servi em um pires para Audrey, que parecia nunca ter bebido leite antes. — Sabia que a mamãe tem um novo namorado? Quero dizer, ainda não sei bem o que somos, mas nós transamos e foi muito bom. Você não quer saber sobre isso, não é? — Olhei para ela, que ignorava a minha presença enquanto estava atenta apenas ao conteúdo do pires.
Coloquei um pouco de café em uma caneca de porcelana e sentei-me à bancada, então ouvi a campainha tocando. Fiz beiço, irritada com o incômodo matinal, mas segui me arrastando com a caneca até a porta, espiando através do olho mágico para ver quem estaria enchendo a minha paciência logo pela manhã.
Avistei Gabrielle do outro lado, impaciente, com uma mão na cintura e a outra no interruptor da campainha. Logo berrei um “já vai”, enquanto tentava destrancar a porta com a mão livre.
Abri a porta, bocejando, e a deixei entrar. Eu sabia que ainda estava desgrenhada e provavelmente com um hálito matinal terrível, mas eu não me importava com isso naquele momento.
— Você está uma droga! — Gabrielle disse ao passar pela porta, lançando-me um olhar assustado.
— Bom dia para você também. — Fechei a porta e voltei à bancada com meu café.
Gabrielle sentou-se à minha frente sem sequer dizer o porquê de estar ali àquela hora.
— Deus, você está horrível. O que aconteceu com o seu cabelo? — Ela tentou tocar em meu cabelo, porém, afastei as suas mãos
— Sabe que horas são, Gabrielle? — Indaguei com um mau humor típico de todas as manhãs.
— Sim, dez e meia. — Disse séria.
— É sério? — Olhei para o relógio, que eu ignorara desde que havia acordado, e constatei as horas, soltando um suspiro desanimado e bebendo mais café.
— Agora me diz o que houve com o seu cabelo?
— Tive uma noite agitada.
— Espera, você dormiu com alguém? Foi com o tio da Marion? — Gabrielle perguntou, exaltada, arregalando os olhos.
— Talvez. — Desviei meu olhar, bebericando o conteúdo da caneca.
— Não acredito. Conseguiu levar o coitado para a cama! — Sorriu de um jeito maldoso.
— Ele é homem e convenhamos que não é muito difícil. Se eu quisesse, teríamos dormido juntos no primeiro encontro, mas eu não quis.
— Ele está aqui?
— Sim. Dormindo.
— E como foi?
¬— Quer mesmo saber dos detalhes? — Sorri de canto para ela, provocando-a.
— Me poupe dos detalhes, por favor.
— Certo. Foi incrível! Ele sabe o que fazer com as mãos, com a boca e...
— Eu disse me poupe dos detalhes. — Interrompeu com a mão levantada para que eu parasse. — Já entendi, ele é bom. Mas, e agora que dormiram juntos, vai perguntar o nome dele?
— É claro que não. Nós tivemos apenas três encontros, não significa que é sério o suficiente para isso. Parece até que você não entende como as coisas funcionam.
— Ah, claro, sua “religião” não permite. — Minha irmã fez aspas no ar com desdém.
— Não, é claro que não. Acredite, eu posso ter virado a criadora de uma nova forma de se pensar. Daqui a alguns anos, eu terei sido a grande fundadora do Euísmo!
— Ninguém é louco o suficiente para seguir isto, Rose.
— Eu sei. — Disse, desanimada.
— Você se lembra do Jordan?
— Jordan?
— Número 23.
— Ah, sim, Jordan. Como poderia me esquecer dele.
— Lembra que terminou com ele porque era ruim de cama? — Indagou, rindo alto.
— Sim, eu devo ter dado umas três chances a ele de me fazer sentir algo, mas quando eu pensava que ele estava começando, já tinha terminado. Era horrível. — Gargalhamos juntas.
— Pelo menos, com o de agora não vai poder usar essa desculpa.
— Com certeza não. Cá entre nós, perto dele, Pierre, não é nada. — Concluí ao aproximar o meu rosto de Gabrielle.
— Talvez seja por isso que o casamento da mamãe esteja uma grande merda.
— Acredite, não é só por isso. — Eu me lembrei do meu padrasto paquerando as garçonetes na noite anterior.
— Ai meu Deus. — Ouvimos uma voz masculina assustada e quando levantei o olhar, eu o avistei logo ali, tentando cobrir a sua intimidade com as mãos, apesar de estar de cueca. Eu comecei a rir, dando altas gargalhadas e o deixando mais constrangido. — Eu... Eu não sabia que, que vo... Você tinha visitas. — Gaguejou e se escondeu  atrás da parede, apenas com a cabeça visível, olhando para nós com o rosto vermelho como um tomate.
— Está tudo bem, eu já vi homens de cueca. — Gabrielle começou. — É sério, antes do François eu era bem vadia.
— Gabrielle, esse é ele, o cara que eu estou saindo.
Ele deu um sorriso amarelo, ainda com o corpo parcialmente escondido.
— Essa é minha irmã Gabrielle, mãe da Amelie, a da festa onde nos conhecemos.
— Oi. — Acenou ainda constrangido. — Hum... Rose, eu vou me trocar... E já volto. — Ele mal terminou de falar, quando desapareceu atrás da parede.
— Ele é tão fofo. — Gabrielle disse ao se servir com uma caneca de café.
— Sim, ele é. — Confirmei, sorrindo. — Ele é ótimo.
Minutos depois, ele apareceu vestindo suas roupas ainda úmidas e um pouco coladas ao corpo.
— Sabe que pode ficar aqui e eu arrumo algo para você vestir, se quiser.
— Eu estou bem, preciso ir agora. Tenho aula de violão para lecionar às onze e já está quase na hora. — Ele se aproximou de mim, beijou a minha bochecha e em seguida olhou em meus olhos. — Até mais, Rose.
— Até mais. Eu te ligo ou você me liga?
— Eu te ligo. — Aproximou-se da porta, apressado. — Tchau, foi um prazer te conhecer, Gabrielle.
— O prazer foi todo meu! — Ela disse bem-humorada, enquanto ele ia embora, embaraçado.
— Certo, agora que ele já foi, pode me dizer por que está aqui?
— Você tem vinho?
— São dez da manhã, Gabrielle!
— Eu sei, fui eu quem te disse isso!
— Por que precisa beber agora?
— Porque é necessário para viver e pra te dar a notícia que me designaram.
— Não vou te servir vinho a essa hora. — Cruzei os braços e fechei a cara. — O que precisa me dizer de tão sério?
— Tem a ver com a mamãe. — Bufei e mordi os lábios, não gostando nada do rumo da nossa conversa. — Ela me pediu para falar com você, por que, ela precisa falar com você.
— Ela poderia me ligar...
— Você não atende as ligações dela nos fins de semana.
— O que ela quer?
— Precisa falar com você, mas disse que tem que ser na casa dela. É muito importante. — Ela dizia ao mesmo tempo em que olhava para os lados, tentando se lembrar de tudo.
— Sabe que eu não entro naquela desde... Desde que tudo aconteceu.
— Eu sei, mas é realmente importante, Rose.
— Você não pode simplesmente me dizer do que se trata?
— Não, sinto muito. Eu prometi.
— Certo, avise-a que eu vou esta tarde. — Eu disse mal-humorada. — Espero que seja rápido.
***
Naquela mesma tarde, eu me dirigi à casa de Simonette. Meu coração acelerava apenas com o pensamento de estar novamente naquele lugar. O lugar onde tudo mudou.
Toquei a campainha e fui atendida por Madeleine, a governanta, que trabalhava ali há muitos anos. Ela sorriu ao me ver depois de mais de três anos sem dar as caras.
— Como está, Madeleine?
— Muito bem, senhorita, deseja algo? — Ela permitiu que eu entrasse na grande mansão, que parecia mais moderna desde a minha última visita.
— Preciso apenas falar com a minha mãe. — Eu disse, sem graça.
— A senhora Beaumont a aguarda nos aposentos dela. — Madeleine pediu para que eu a acompanhasse até o quarto da Simonette.
Subi degrau por degrau da grande escadaria com o coração saindo pela boca. Cada detalhe naquele lugar me trazia uma lembrança diferente. Embora tivesse crescido ali, aquele lugar não trazia boas recordações e a mais recente estilhaçou meu coração em milhões de pedaços, que nunca foram colados corretamente.
A porta do quarto da mamãe estava entreaberta, e eu respirei fundo quando Madeleine indicou com as mãos gentilmente para que eu adentrasse no recinto.
Respirei fundo, suspirei. Respirei fundo, suspirei.
Reuni o máximo de coragem possível e segurei firme em minha saia rodada azul royal, tentando conter o nervosismo. Então, finalmente adentrei seu imenso quarto com uma grande cama com dossel e uma bela vista da janela que ocupava quase toda parede. Havia poltronas cinzas com detalhes em preto, e almofadas com pérolas e cristais. Mamãe repousava em sua cama e olhava para mim com seu típico olhar arrogante.
Caminhei em passos lentos, tentando manter a respiração normal e sentei-me em uma das poltronas próximas à cama.
— Quando Gabrielle me disse que você viria, eu não acreditei.
— Nem eu acredito que estou aqui.
— Já faz três anos, Rose.
— Não muda o que fizeram comigo.
— Não, não muda.
— Eu costumava acreditar que mães protegem os filhos, mas não sei se continuo acreditando nisso.
— Eu protegi você, Rose...
Fiz que não com a cabeça, rindo inconformada.
— Está doente? — Indaguei enquanto olhava para ela, sentindo lágrimas nos olhos.
— Tenho que ficar de repouso por alguns dias.
— Espero que melhore logo, não consigo lidar com tudo sozinha na Belle.
— Eu também espero.
Olhei ao meu redor, absorvendo cada detalhe, fazendo vir à tona toda a dor que eu sentia.
— Se lembra da última vez que estive aqui? — Mamãe nada disse, apenas abaixou os olhos, observando o seu cobertor. — Eu me lembro perfeitamente de cada detalhe, de tudo, como se fosse ontem. Faltavam apenas duas semanas para o meu casamento e eu havia acabado de acertar os últimos detalhes do buffet e do bolo. Lembro-me de como fazia calor naquela tarde. — Senti um nó em minha garganta. — Meu vestido em renda francesa estava pronto e perfeito, do jeito que eu sempre sonhei. Era o vestido de uma princesa saído de um sonho. Eu estava louca para chegar em casa e te contar os detalhes de tudo. Desde as cores das flores, da prataria, do vestido que escolhi sozinha, porque você estava ocupada demais trabalhando e não liberou Gabrielle para ir comigo. — Meus olhos ardiam. — Não acredito que fui tão tola. Estava tudo pronto, só faltavam duas semanas, duas semanas, mãe. Aquele dia eu terminei as coisas mais cedo e voltei para a casa, contando os segundos para te dizer que meu vestido era como uma grande nuvem de algodão, um sonho perfeito. Então eu entrei pela porta e encontrei Madeleine, ela estava tão estranha e não queria me deixar entrar em minha própria casa, inventando mil desculpas. Ela parecia aflita, parecia ter pena de mim. — Senti que me afogaria em minhas próprias lágrimas. — E ela tinha razão por estar daquele jeito. De qualquer forma, eu consegui entrar e subi correndo, animada, tão feliz e tão burra. — Eu disse, nervosa, levantando a voz. — Eu entrei em seu quarto e aqui estava você, seminua, bebendo vinho e fumando um cigarro. Você parecia tão assustada quando me viu. — Solucei, com os lábios trêmulos. — E então ouvi a voz de Pierre vindo do banheiro e te chamando de “meu amor”. Ele estava pelado, mamãe. Eu perdi o chão, perdi a esperança, era como se tudo tivesse se tornado um nada. Como se tudo tivesse desmoronado e meu coração se quebrado. Como se nada mais fizesse sentido, mãe, porque não fazia. Você é minha mãe, eu ia me casar, e estar aqui, nessa droga de casa é a pior sensação do mundo. Você nunca me pediu perdão. Odeio Pierre e você sabe disso, mas não foi ele quem me criou. E você tem a audácia de me chamar para vir aqui novamente, mesmo depois de tudo o que aconteceu. Eu não queria te odiar, mas, às vezes, eu me pergunto se o que fez tem perdão e não chego à conclusão nenhuma.
— Terminou?
— Você é realmente uma vaca... — Eu me levantei e dei às costas para ela enquanto andava em direção à porta.
— Estou com câncer. — Ela disse sem rodeios, fazendo com que eu parasse sob o batente da porta. — Eu não estava em Mônaco por duas semanas. Estava aqui, fazendo quimioterapia. — Eu me virei e olhei para aquela mulher com o semblante abatido.
Sei que deveria sentir pena e me sentar ao seu lado, pegar as suas mãos e lhe dar um grande abraço. Talvez o maior abraço do mundo. Mas não fiz isso. Enxuguei as minhas lágrimas com as mãos e olhei para ela sem sentir nada.
— Talvez você realmente mereça isso! — Eu disse de maneira fria e seca, retirando-me dali sem ao menos esperar por sua reação.

Rose e o Cara (Concluída) Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt