Capítulo 10

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Eram quase oito horas da noite da sexta-feira seguinte, e eu me arrumava para o Baile Anual que teria início às nove, como em todos os anos. Mamãe havia chegado de Mônaco naquela tarde e me alertou pelo celular, umas trocentas vezes, sobre a pontualidade dos anfitriões e como era importante recebermos os convidados com cordialidade. Meu cabelo já estava pronto graças a Gabrielle, que conseguiu um cabeleireiro de última hora para mim. Com tantos detalhes finais da festa para terminar, eu mal conseguia respirar e não tinha tempo sobrando para ir a um salão. Pintei minhas unhas de vermelho escuro e fiz minha própria maquiagem depois do ótimo trabalho de Lorrane em meus cabelos – ele tinha mãos mágicas. Grandes ondas marcavam meus cabelos alaranjados jogados para um lado, com pequenos cristais na lateral da cabeça, que proporcionavam um brilho discreto e sofisticado. Meus lábios vermelhos escuros e os olhos em tons de creme e dourado reforçavam a minha beleza. Por fim, coloquei o vestido que eu guardei por um mês para poder vesti-lo, um estonteante Versace preto. A parte de cima tinha fitas de um tecido que parecia cetim, porém fosco, deixando partes de pele à mostra, duas alças finas e negras seguravam o vestido de forma simples, porém com o charme de um detalhe no centro do vestido e a saia rodada até os joelhos de um tecido brilhante era incrível. Calcei meu par de Louboutin preto e parei por alguns segundos diante do espelho para me admirar. O meu medidor de autoestima estava novamente com o ponteiro em Beyoncé.
Saí do meu apartamento cantarolando com a minha pequena Gucci de couro preta em mãos. Eu me sentia poderosa e não me importava se alguém me visse naquela situação.
***
Cheguei às oito e meia no prédio da Belle e notei que mamãe já estava lá quando avistei seu carro do outro lado da rua. Eu sabia que ela procuraria defeitos na festa, afinal, fora sua amada filha que a organizou e bom, ela sempre dava um jeito de encontrar algum defeito em tudo o que eu fazia, ou em mim. Respirei fundo, tomando fôlego e coragem para enfrentar o que seria uma longa noite ao lado da minha querida mãe e seu amado marido.
— Você consegue, Rose, você consegue. — Suspirei e adentrei o prédio tentando parecer confiante o suficiente.
Subi até o último andar, onde a monótona música ambiente da festa já me deixava nauseada.
— Finalmente chegou, pensei que não viria mais! — Começou Simonette com seu olhar de desdém sobre mim.
— Mãe, eu passei a tarde toda aqui e mal tive tempo pra mim. Organizar isso quase sozinha e de última hora, além de todas as minhas responsabilidades na Belle, é algo bem difícil.
— Eu conseguiria. — Bebericou um pouco de champanhe.
— Mas não estava aqui e eu estava fazendo o seu e o meu trabalho então, por favor, não comece. Aproveite bem a sua festinha com seu... Seu... — Direcionei o meu olhar a Pierre, que conversava sorridente com uma garçonete. — Marido.
— Sabe que não costumamos fazer o Baile Anual no salão de festas da empresa. Aqui é pequeno demais.
— Há sempre uma primeira vez pra tudo, não é? Até pra roubar o noivo da filha duas semanas antes do casamento dela. — Mordi os lábios já curados, irritada, com as mãos em punho. — Preciso conversar com os músicos agora, com licença. — Saí marchando e a deixei para trás, contendo a minha raiva e a vontade de sair correndo dali para me esconder em algum lugar seguro, longe de Simonette Beaumont.
— Rose! — Ouvi Pierre chamar meu nome ao se afastar da garçonete bonitona. — Você está... Magnífica! — Dei um sorriso forçado. Falar com ele era a última coisa que eu precisava. — Está brava comigo?
— Não, Pierre, não sinto raiva de você há muito tempo. Apenas asco, talvez, ou repulsa, não sei ao certo. Talvez os dois.
— Eu pensei que tivesse deixado isso pra lá, Rose. Somos adultos e temos que lidar com essas coisas. É passado. — Eu o encarei sem acreditar nas suas palavras repulsivas. Simplesmente não consegui responder nada e continuei meu caminho até os músicos.
Observei o salão ainda vazio. Em um canto, o DJ organizava seus materiais e do outro a banda tocava jazz e blues. As paredes estavam decoradas com tecidos pretos com bordados dourados, grandes lustres de cristais refletiam no teto como estrelas, havia poltronas brancas e pretas distribuídas pelo salão, alguns pufes e esculturas decorativas. Vasos de flores pretas e brancas enfeitavam e perfumavam o lugar, a iluminação dava um ar dramático perfeito para o ambiente nem muito escuro, nem claro, e destacava ainda mais as cores monocromáticas usadas. Não era nada comparado às festas organizadas por Simonette, mas, de alguma forma, eu me orgulhava do que tinha feito com tão pouco tempo.
Às nove, quase todos haviam chegado. Donatella Versace conversava empolgada com a minha mãe em um canto, enquanto Pierre cantava mais uma garçonete um pouco afastado. Louane estava linda com um belo vestido branco rodado, provavelmente Prada, e ria com um cara baixinho. Quanto a mim, estava de pé, bebendo a minha segunda taça de champanhe e observando tudo o que acontecia. Sozinha. Ele ainda não havia chegado e eu já estava começando a acreditar que o nosso último encontro foi literalmente o último. Eu me sentia como aquelas garotas de filmes americanos que iam aos bailes sozinhas e passavam a noite toda bebendo ponche e assistindo às garotas bonitas dançando com seus pares perfeitos.
Se Gabrielle tivesse ido, eu teria alguém com quem conversar, mas ela queria distância de tudo relacionado à revista depois de ter se demitido.
Eu poderia me divertir sozinha, mas não ali, não com a mamãe no mesmo ambiente que eu. Tentei prometer para mim que faria daquela noite suportável apesar dos pesares, e acabei soltando um suspiro pesado e passei por entre os convidados, que conversavam empolgados. Fui parada por minha mãe, que me apresentou a Donatella e não... Eu nunca falei com ela pessoalmente e aquele momento era como um presente divino do deus Euísta.
— Donatella, essa é Rose, a minha filha mais nova! — Mamãe não parecia minha mãe, estava sorridente e educada, quase como se tivessem colocado outra pessoa em seu corpo.
— Olá, é prazer conhecê-la. — Tentei respirar normalmente sem parecer uma fã louca.
— O prazer é meu! — Nós nos cumprimentamos com beijos nas bochechas.
— Eu... Eu... Esse vestido... É um... É um Versace. — Gaguejei.
— É eu percebi, e ficou incrível em você. Aliás, você tem um belo corpo e está maravilhosa.
— Awn, é mesmo? — Indaguei, abobada. — Você também está maravilhosa.
— Muito obrigada!
— Posso tirar uma foto com você?
Me desculpem, mas sou muito fã dela.
— Claro! — Notei mamãe revirando os olhos.
Prontamente, peguei meu celular na pequena bolsa e tirei uma selfie de nós duas. Eu saí com uma cara meio de idiota na foto, mas quem se importa, eu estava com Donatella Versace e usando um vestido da sua grife! O que poderia ser melhor? Aquele momento definitivamente havia feito todo o esforço e cansaço valer a pena. Minha noite estava ganha. Melhor seria se eu pudesse falar com Audrey Hepburn, mas aquilo era um milagre que infelizmente nem o deus do Euísmo poderia conceder.
Como tinha prometido fazer aquela noite valer a pena, eu andei até os músicos e pedi que fizessem um pequeno intervalo com a desculpa de que deveriam comer algo, então pedi ao DJ que tocasse algo animado pela primeira vez na noite.
— Finalmente!
Suspirei aliviada quando uma música com uma batida mais agitada e sensual começou a tocar. Eu coloquei a minha taça na bandeja do garçom e agi de forma espontânea, dançando no centro do salão em meio a todas as conversas em grupo e garçons passando de um lado para o outro com aperitivos e champanhe.
Fechei os olhos e me deixei levar pela batida envolvente da música. Levantei as mãos para o alto e balancei o meu corpo de forma quase descoordenada, mas eu não me importava àquela altura, eu precisava me divertir um pouco. Estalava os dedos com as mãos para cima sem sequer saber se me observavam ou não, e me sentia realmente feliz. Balancei a cabeça de um lado para o outro e movi meus ombros, sentindo a música dentro de mim. Era como se a música me abraçasse e percorresse seus braços por meu corpo, então abri meus olhos, assustada, e sorri ao vê-lo.
— Me desculpe a demora, mas pensei seriamente em não vir. — Ele sussurrou no meu ouvido. — Mas eu percebi que seria o maior babaca que já existiu se fizesse isso e você me odiaria. Eu não quero que me odeie, porque eu gosto muito de você.
Agarrei seu colarinho e o puxei para um beijo lento, nossas línguas em perfeita sintonia, suas mãos percorrendo meu corpo e provocando arrepios. Eu me afastei dele e voltei a dançar, ficando de costas para ele, então senti seu corpo de encontro ao meu, suas mãos em minha cintura e a ponta do seu nariz roçando o meu pescoço e tirando o meu fôlego. Se eu estivesse a sós com ele, com toda certeza teria perdido o controle. Voltei a encará-lo e passei os braços por seu pescoço, e ficamos assim até a música terminar. Peguei a sua mão e nos levei até um pequeno sofá de dois lugares.
— Por que não queria vir?
— Eu estava com medo.
— Medo do quê? Eu juro que não mordo, se não quiser.
— O seu mundo é muito diferente do meu. Olhe para todas essas pessoas, eu já vi algumas delas na televisão e isso é um tanto assustador.
— Não é tão ruim depois que se acostuma, mas também não é a melhor coisa do mundo. — Peguei em suas mãos. — Obrigada por ter vindo.
— Champanhe? — Um garçom ofereceu.
— Obrigada! — Peguei outra taça e meu acompanhante fez o mesmo.
— Valeu! — Bebericou a bebida e fez um olhar surpreso. — Uau, isso é bom.
— Nunca bebeu champanhe antes?
— Não desse jeito. O que colocam pra ficar tão gostoso?
— Dinheiro. Dá pra pagar uma casa com uma garrafa dessas. — Ele arregalou os olhos e ficou admirando o conteúdo da taça como se fosse algo precioso.
— Estou bebendo dinheiro, isso é estranho.
— É realmente estranho. Agora vou te dar um conselho. Se oferecerem os canapés de caviar, recuse.
— Certo.
— É só mais uma comida chique com gosto horrível. Acredite, é uma droga!
— Canapés? — Outro garçom apareceu com uma bandeja repleta de aperitivos e eu peguei os que mais pareciam apetitosos. O cara ficou encarando a bandeja por alguns segundos como se fosse  uma criança em loja de doces, então pegou alguns e os colocou na boca.
Ele começou a tossir, cuspindo em sua taça um canapé mastigado.
— Que coisa horrível. — Comecei a rir da cara que ele fez quando pegou outra taça de champanhe e virou, tentando tirar o gosto ruim da boca.
— Eu avisei que são horríveis. — Falei, soluçando de tanto rir.
— Nunca vou duvidar de você. Deus, como isso é ruim. — Seus olhos lacrimejavam.
— Foi um belo show que deram agora a pouco. — O nosso momento foi interrompido por mamãe, que me olhava com desgosto, de mãos dadas com Pierre. Em seguida, ela lançou um olhar reprovador ao meu acompanhante, que tentava limpar a língua com o guardanapo.
— Estava apenas me divertindo com o meu acompanhante. — Ele tentou esconder o guardanapo de tecido em um canto do sofá e logo deu um sorriso amarelo.
— Quem é o seu novo namorado?
— Esse, esse é... Ele mesmo.
— Não estou brincando, Rose. Quem é o seu namoradinho?
— Ela não pode saber o meu nome, senhora, faz parte da religião dela.
— Religião?
— Sim. Euísmo, não é, Rose? O nome é a janela da alma.
Apenas assisti àquela situação embaraçosa em silêncio com uma vontade mortal de me jogar pela janela do prédio e fugir daquilo tudo.
— Hum, você... Essa é a minha mãe Simonette Beaumont, presidente e fundadora da Belle. E esse... — Eu respirei fundo. — É o meu padrasto Pierre Lacroix. É isso aí.
— É um prazer conhecê-los. A senhora está muito elegante.
Mamãe nada respondeu, apenas o olhou com um olhar julgador.
— O que está vestindo? Gostei do paletó. — Perguntou Pierre.
— Ah isso, é um paletó e uma camisa preta...
— Não, estou perguntando de qual grife é.
— Grife? Só peguei no meu armário.
— Você é engraçado. — Pierre riu. — Mas de quem é, qual coleção?
— É um Armani. — Eu me intrometi. — Um modelo mais vintage da Armani, um ótimo Armani por sinal.
Mamãe observava tudo com um silêncio perturbador.
— Mais um pra sua listinha?
— Que listinha? — Ele perguntou, confuso.
— Mãe!
— Disse alguma mentira?
— Você é incrível mesmo! E você, seu merdinha, não diz nada, não é? Tem medo dela, não tem?
— Rose, ela não está errada!
— Não faz ideia de como tenho nojo de você, Pierre. Você foi a pior coisa que já apareceu na minha vida. Os dois se merecem. Vamos. — Peguei a mão do meu par e o puxei, saindo daquele lugar.
— O que aconteceu lá, Rose? — Indagou enquanto o elevador descia. — O que foi aquilo tudo?
— Temos uma relação complicada, só isso.
— Complicada? Aquilo parecia uma zona de guerra.
— Você não entende. — Eu disse, saindo do elevador com os olhos cheios de lágrimas e sendo seguida por ele até a rua quase vazia.
— Eu quero entender, só me diz.
— Não posso. — Solucei, sentindo as lágrimas vindo à tona.
— Tudo bem. — Ele me abraçou. — Mas se quiser me falar e quando quiser, estarei aqui. — Eu nunca diria a ele. — Ei, escute. — Eu me desvencilhei do seu abraço. — Dá pra ouvir as músicas daqui.
— Eu adoro essa música. — Enxuguei as lágrimas com as mãos. — Quer dançar? — Segurei o choro e tentei sorrir.
— Seria uma honra, madmoselle. — Pegou uma das minhas mãos e a beijou com delicadeza, deixei minha bolsa na calçada e passei meus braços ao redor do seu pescoço, suas mãos pousavam em minha cintura e minhas costas. — Armani?
— O quê?
— Disse a seu padrasto que eu vestia um Armani. Por que fez isso?
— Essas pessoas te julgam pelo que veste, pelo que possui. Se dissesse que é algo comum, não seria bom o suficiente para estar ali.
Dançamos lentamente como se não existisse tempo, como se nada fosse mais importante do que nós, ali, naquele momento único. Apoiei minha cabeça em seu ombro e senti algo pingando em meu rosto. Levantei meu olhar para o céu e senti mais pingos, estava começando a chover. Não me incomodei e continuei dançando, embalada nos braços dele. Ele me rodopiou devagar, logo me trazendo para si com as gotas de chuva nos molhando, que ficavam cada vez mais grossas e fortes. Olhamos para o céu e rodopiamos no meio da rua, encharcados.
— Se continuarmos na chuva, vamos ficar doentes. — Eu adverti. — Podemos ir pra minha casa e nos enxugarmos. — Eu me abracei, sentindo frio.
— Você veio de carro?
— Peguei um táxi.
— Eu vim dirigindo. Sua casa fica longe?
— Não. Podemos ir agora?
Ele assentiu e atravessamos a rua rapidamente. Eu corri com meus sapatos e bolsa em mãos, tentando não cair.
— Aqui! — Paramos em frente a uma vespa azul bebê. — Pode subir. — Ele disse enquanto se acomodava no projeto de moto. — Não é como o seu carro, mas essa belezinha nunca me deixa na mão. Sorte sua que sempre tenho um capacete de reserva, nunca se sabe quando alguém pode precisar de carona, né?
Eu me sentei na pequena vespa de cor delicada e seguimos rumo ao meu prédio.

Rose e o Cara (Concluída) Where stories live. Discover now