3. O Fio Que Nos Conecta

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                 <gatilho violência>    <menções de auto mutilação>

Peter saiu porta fora sem olhar pra trás, ele não queria se dar esse luxo, o luxo de desistir, correr para os braços de Wade e repetir que estava apaixonado, ele poderia dar uma chance e ouvi-lo, mas ele não suportaria se seu coração fosse quebrado novamente.

Verdade a ser dita, aquela primeira noite que passou com Wade, era o combustível que ele tinha para suportar toda a merda, a merda do padrasto, a merda com o dinheiro, com a ganância.

Ele queria voltar pra casa de sua tia, chorando arrependido de ter sonhado um dia em estudar numa faculdade naquela cidade. May nem imaginava a enrascada que o sobrinho se metera.

Norman seu padastro, batia constantemente em Peter, e queria a todo custo que o garoto se sujeitasse a ele. A mãe vivia bêbada pelos cantos, sem forças pra negar a situação.

Peter tinha morado com a tia até os 16 anos, quando decidiu voltar para casa da mãe com o sonho de se tornar engenheiro civil. Ele sabia que não seria fácil, mas ele era inteligente, esforçado e tinha muita vontade de fazer as coisas darem certo.

Mas hoje aos 19 anos, depois de inúmeros abusos, brigas e agora recentemente se prostituindo, Peter tinha certeza que seu fim seria o mesmo de sua mãe. Bêbado demais, letárgico demais para sentir qualquer coisa.

Até que houve a noite com Wade, e Peter se agarrou aquela frestinha de esperança, de que existiam pessoas que se importavam, e que um dia, talvez, ele tivesse forças e condições de combater todas aquelas porcarias impregnadas nele.

Ficar imaginando que as coisas poderiam ser diferentes enquanto era fodido por homens nojentos, era o que fazia Peter suportar tudo aquilo. Pensar que um dia Wade chegaria num cavalo branco e mudaria toda a sua vida, o mantinha persistente em aguentar cada murro e chute recebido do padrasto e que recentemente virara também seu cafetão.

Voltar pra trás, ver Wade e descobrir que ele não era a saída dos seus problemas assustava Peter a um nível que ele não se sentia capaz se suportar.

Então com medo de arriscar, ele saiu sem olhar para trás mantendo somente sua doce ilusão com ele. Quem realmente era Wade não interessava, o que Wade representava era o que importava.

Wade por outro lado, nunca tinha vivido aquilo, ele tinha se arriscado demais para deixar o garoto partir porta fora sem saber se em um dia, um mês ou nunca ele iria voltar.

Ele estava paralisado ponderando o que fazer, quando ouviu o barulho do elevador, percebendo que as poucas chances que tinha, se esvaiam com aquele barulho. 

Como se alguém tivesse encostado no seu ouvido e gritado o mais alto possível, Wade se colocou a correr escadas abaixo, tentando chegar no térreo ao mesmo tempo que o elevador.
Primeiro dia na rua, e essa já era a segunda vez que ele tava correndo, as coisas não estavam se saindo muito bem. 

Ele chegou no térreo esbaforido, apoiando as mãos no joelho, respirando com dificuldade, enquanto ouvia o apito do elevador, e as portas se abriam.

Ele viu Peter sair secando as lágrimas, de cabeça baixa ainda sem nota-lo. O telefone encostado no ouvido, falando com alguém.
Ele parecia derrotado enquanto chacoalhava a cabeça negativamente, e Wade podia ouvir os gritos do outro lado do telefone mesmo aquela distância.

A sensação de que ele tava fodendo a vida do garoto era tão grande que ele sentia dificuldades de respirar. Ele se virou de costas disfarçando para não ser notado, enquanto Peter encerrava aquela ligação e atendia outra em seguida.

- Oi Daddy.

A sua voz era tão melosa e manhosa, que era impossível saber que ele ainda estava chorando se não fosse as lágrimas que continuavam a escorrer pelo seu rosto. 

- Ok estarei aí em algum tempo.

Wade não podia suportar aquilo. Era agora ou nunca, ou ele virava de uma vez, ou desistia e deixava o garoto partir em paz.

Enquanto Peter passava ao seu lado, Wade aproveitava para olhar de soslaio, percebendo e registrando coisas que ele ainda não tinha notado sobre o garoto. Hematomas. Por todos os espaços de pele à mostra roxos, verdes e amarelos contavam uma história que Wade não queria ler, Peter usava uma bermuda curta, e sobre a sua coxa direita, o homem percebia nitidamente, cortes limpos no horizontal, cortes que ele reconheceria tranquilamente, porque nos momentos mais sombrios de sua juventude já tinha tomado aquele tipo de decisão.

Então a dimensão dos problemas de Peter acertaram Wade num potencia sem igual, era como uma surra de escola, quando você cai no chão sozinho, e você ouvi as risadas, enquanto sente os chutes e pisões vindo de todos os lados.
Ele puxou o ar com dificuldade, enquanto Peter quase alcançava a porta, e uma voz ressoava alto pelo hall. 

- Senhor Wade, sua mão, está pingando sangue.

Peter parou naquele mesmo momento, e Wade esticou o braço em direção a recepcionista pedindo um segundo de calma. A impressão que Wade tinha era que o tempo estava suspenso, como um filme pausado.
Todo mundo olhava pra ele, como se esperassem que ele fizesse alguma coisa, e Peter lhe dera a ultima chance ao parar naquele momento.
A merda ja estava feita, e o garoto já sabia da presença dele ali.

Então como se aquele fio que os ligava mostrasse todo o seu poder em se recusar ser de alguma forma quebrado, o garoto se virou para encara-lo.  

Quando Faltam as PalavrasOnde histórias criam vida. Descubra agora