Capítulo Único

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O solavanco do ônibus o fez despertar bruscamente, arregalando os olhos rápido, assustado, a luz que invadiu sua retina o forçando a cerrar os olhos e coçá-los, até que sua visão finalmente se acostumou com o ambiente.

Sua boca estava seca, sentia fome e a calcinha estava incomodando um pouco.

Arregalou os olhos assustado, ficando pálido, boquiaberto, sem reação.

As memórias invadiram sua mente.

Os hormônios preencheram seu corpo.

Sua mentalidade, ao mesmo tempo que era a mesma, se adaptara.

Ele não era ele.

Era ela.

Olhou para suas mãos e não as via: em vez de mãos morenas, com um pouco de pelos, era uma mão mais fina, de pele mais macia, de cor clara, suas unhas bem cortadas, pintadas com um esmalte de um vermelho suave.

Olhou para baixo, vendo seu corpo sentado na cadeira do ônibus de viagem escolar. Seus seios se projetavam poucos centímetros para frente, seu corpo magro, usando uma calça jeans surrada e um moletom de lã azul escuro, duas pequenas tranças ruivas de um vermelho vívido pendendo sobre seu tronco, cada uma numa lateral da cabeça. Imediatamente pegou o celular de dentro do bolso e se olhou pelo reflexo da tela do mesmo, vendo o rosto de uma garota por volta de seus dezessete anos, de olhos verdes claros e traços finos, um batom vermelho suave cobrindo de forma quase imperceptível seus lábios, algumas sardas no topo de suas bochechas coradas e seu nariz.

- Ananda, o que houve? - Perguntou o Doug, seu colega de sala.

Espera... "ônibus de viagem escolar"?

Olhou ao redor. Era um típico ônibus escolar estadunidense. Haviam partido de uma pequena de sua cidade, Columbus, na Geórgia, para visita escolar à capital do Estado, Atlanta. Os vários alunos, todos por volta de seus dezesseis a dezoito anos, vestidos das mais diversas formas e das mais variadas etnias, faziam de tudo ali.

Alguns conversavam, debatiam sobre os mais diferenciados temas, desde aquela viagem para Atlanta, como o que aconteceria se o Rei Midas tocasse em si mesmo e até mesmo se era possível arrotar e peidar ao mesmo tempo. Outro apenas mexiam no celular, sorrindo, tirando selfies, jogando.

Alguns estavam isolados em seus próprios pensamentos e reflexões, encarando o mundo do lado de fora, vendo a estrada passando, enquanto seguiam pela estrada que beirava - mas com uma distância "segura" - um precipício que dava para uma enorme extensão de floresta logo abaixo, tal floresta seguindo até onde os olhos conseguiam alcançar, enquanto do outro lado apenas um enorme paredão terroso coberto de musgos, grama e algumas pequenas árvores.

Amanda olhou para Doug, que se virara no banco da frente para falar com ela.

- Ah... nada... só estava pensando no nada... - Respondeu, sem jeito, retirando o fone de ouvido e dando um sorriso falso para Doug.

Na verdade, queria falar que não fazia a mínima ideia de como chegara ali. Que seu nome não era Ananda, que ela não morava em Columbus junto com sua mãe e seu irmão mais novo. Também queria falar que não estudava na Higgs Columbus School, nem que sua melhor amiga era a Diana Jean, que estava doente e não pôde ir naquela viagem, nem que seu melhor amigo era aquele jovem negro com um pequeno blackpower, de olhos castanho claros e piercing no nariz, usando um enorme casaco vermelho, sorrindo para ela, o qual namorava um cara dois anos mais velho.

Queria falar que ela não era ela.

Queria falar que não era Ananda.

Que ela era ele: Wallace.

O Hotel MalditoWhere stories live. Discover now