03 - As coisas mudaram

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Como prometido, Derick retornou até a árvore, ele não era de esquecer suas promessas. Andou um pouco com os pés na água fria do rio antes de se sentar ao lado da árvore que permaneceu em silêncio.

— Ei Tutto! – disse o menino vislumbrando o céu se esvair do tom claro de azul, o sol se punha à suas costas, mas não se virou para observar as cores dançantes.

— Sim. – respondeu a árvore tão suavemente como a brisa que soprava. Uma borboleta voou e pousou em um pequeno galho da árvore e logo voltou a voar.

— Encontrei Ophal! – disse Derick sem rodeios, relembrando o pequeno ser que vira.

— Onde ela estava? – disse a árvore com um oco na voz.

— Na clareira, ela parecia alterada, como se estivesse com raiva, depois de falar muito ela ficou calada, eu não entendi! – lembrou do som do revoar das aves.

A árvore soltou um som próximo a um estalido, aquilo é o que deveria ser a risada de uma árvore, pelo menos assim pensou o menino.

— Oh sim, ela tem isso! – disse lentamente — O que Ophal te disse?

— Disse para arrancar as suas folhas e também quebrar seus galhos. – Derick jamais faria isso, mesmo que as vezes o ameaçasse.

— E por que isso? – perguntou Tutto como se um pica-pau tivesse feito um buraco em sua memória, o que não era possível, as memórias das árvores eram as melhores.

— Ela disse que você nunca à visitou, antes de lançar raízes, não sei o que é! O que é? – perguntou o menino à árvore.

— Não fui a ver... – a árvore encolheu seus brotos — Quer saber o que é lançar raízes?! Tudo bem, nós árvores falantes não somos como qualquer bétula ou carvalho por aí, que vem de frutos que caem na terra e só depois liberam sementes, essas já nascem apegadas à terra – Tutto esperou Derick dizer algo, mas ele não disse envolto em curiosidade — nós viemos das sementes voadoras da grande árvore sagrada na floresta gigante, ela sozinha protege todo o país de Hulliad, sabia? – Derick fez que não — Éramos três, Ophal, Bido e eu, as três árvores mágicas que andavam pela floresta, que na época tinha muitas criaturas estranhas e perigosas, então para proteger uma humana vinda do deserto Bido lançou raízes porque se apegou à ela.

— Então... – Derick espantou suas palavras como se houvesse um balão de fala sobre sua cabeça — continue.

— Sim, onde estava, ah... As criaturas deixaram a floresta, pois foi por esse propósito que Bido se enraizou, pouco depois foi a vez de Ophal, – Tutto falava tudo muito devagar, como sempre — foi difícil vê-la presa à um pilar na clareira, apenas por que lá haviam muitos pássaros, uma coisa fútil... Mas que ela muito gostava.

— E você Tutto? Por que lançou raízes deste lado do rio? – Derick perguntou inocente.

— Porque me apeguei às árvores amigas que deixaria para trás, ao perceber que eu estava os abandonando, me prendi, me prendi não ao chão, mas sim a eles, não fui nem ao menos capaz de cruzar o riacho. – Tutto disse como se sua seiva esfriasse, se é que isso fosse possível — Melhor ir agora criança, já é tarde e logo escurece! – o garoto não foi sem antes deixar um abraço ao tronco da árvore.

As fadas começavam a tocar suas ocarinas e tubas enquanto dançavam junto aos pirilampos, além dessa quase muda melodia um som estranho nunca ouvido por Derick ecoava pela floresta e pela primeira vez o menino experimentou o medo, medo de uma floresta da qual ele conhecia cada canto, mas que agora lhe parecia sombria e desconhecida. Voltou para casa quase que correndo, quando lá chegou Judith esperava à porta com um olhar atônito fitando os arredores da casa, Bel, a garota pequenina estava segurando a barra de sua saia, assim que Derick chegou a mulher se apressou para o interior iluminado da casa.

— Onde estava, Derick? – perguntou a mulher contando as crianças que se ajuntavam ao redor da mesa.

— Brincando de conversar com uma árvore. – disse e todos com exceção de Maia riram.

— Tudo bem, mas a partir de agora nada mais de brincar perto de anoitecer entendido?! – disse não só para Derick.

— Sim Judith! – disseram as treze crianças, sem contar Bel, que não falava mais que duas palavras.

— Daqui a pouco servimos o jantar, quem quer me ajudar? – perguntou a mulher escondendo algo além de torrões de açúcar no pode azul embaixo da prateleira na cozinha. Charle o menino loiro, que entre os meninos era o mais velho, Uggi e Maia se disporam, um sorriso surgiu entre os lábios da mulher.

Derick já imaginava a sopa de cogumelos com cheiro agradável em seu prato, mal podia esperar. Era difícil ignorar os sons estranhos, nunca antes ouvidos pelas crianças, vinham de todos os lados, Derick imaginava que após o jantar quando estivessem deitados em suas camas, aconchegados com seus cobertores seria diferente, ele imaginou que seria fácil dormir, mas não foi. Maia naquela noite ainda ousara sair pela janela, mas de longe viu um brilho vermelho vindo do escuro, para seu alívio não eram olhos assassinos como os que já ouvira nas histórias malucas que os meninos contavam, eram os cogumelos que antes eram azuis, nunca tinha visto aquilo antes! Se surpreendeu ainda mais quando as duas meninas com quem dividia o quarto se sentaram ao seu lado.

— O que está acontecendo com a floresta? – foi Torv quem disse.

— Não sei, mas não é bom!

— Melhor entrarmos, não me parece... Seguro? – perguntou como se aquilo fosse a coisa mais estranha de se dizer. E era!

— É melhor sim, as coisas mudaram! – falou Maia um tanto confusa.

Depois disso fecharam a janela, mas não dormiram bem, não daria, não enquanto o mal rondava por perto...

O menino e seu patoWhere stories live. Discover now