☠ II - Conhecendo o perigo ☠

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Por um momento, Elisa teve pena do sujeito. Pela forma que se vestia e se comportava, estava claro que sofria de alguma doença mental, assim como o seu avô. Talvez ele estivesse sozinho e apenas precisasse de um cuidador.

— Tudo bem, nós vamos sair. Não vamos?

No entanto, ao encarar Henrique, viu que sua testa se franzia e seus lábios estavam apertados em uma expressão de relutância. Afinal o que tanto ele queria ali?

— Eu...

Antes que ele pudesse continuar, uma pancada forte da porta se fez ouvir.

— Thomas? — era uma voz feminina, dura e autoritária.

O homem deixou a colher cair e levou as mãos até a boca, em pânico completo. Suas pernas tremiam quando ele passou por entre eles, acionando a tranca para que a mulher não entrasse.

— Rápido, precisam se esconder — sussurrou ele, a voz carregada de medo. — Vão para trás do balcão agora. — Ele os empurrava pelas costas com urgência.

Elisa protestou, relutando em ir, mas alguma coisa em seu semblante lhe dizia que talvez o perigo pudesse ser real. Confusa, buscou pelo apoio de Henrique, que apenas deu de ombros.

— É melhor fazer o que ele diz.

Elisa o olhou com descrença. Será que todos ali estavam ficando malucos? As batidas na porta se tornaram mais intensas e a tranca foi forçada para baixo, em uma inútil tentativa de adentrar ao recinto.

— Thomas, o que está havendo aí? Por que essa coisa está trancada? — Sua voz estava impaciente e soava quase como uma ameaça.

O homem chamado Thomas enrijeceu ao som daquela voz, como se ela o tivesse transpassado pelo peito, e passou a empurrá-los com mais urgência.

— Já estou indo, meu amor — gritou ele para fora, voltando-se para os dois e sussurrando logo em seguida. — Vão depressa, Sarah detesta esperar.

Com aquela indelicadeza toda, Elisa não teve outra alternativa a não ser ceder ao sujeito e aos olhares expressivos que Henrique lhe lançava. Ficou agachada ao lado do garoto, espreitando por uma fresta do balcão de madeira. Thomas levou o indicador até os lábios em um gesto que pedia silêncio e foi finalmente abrir a tranca da porta, antes que a mulher a derrubasse por conta própria.

— O que foi isso? Por que demorou tanto? — despejou ela ao escancarar a porta com um baque surdo e adentrar ao recinto como um furacão.

Assim como Thomas, ela também se vestia de forma estranha, porém parecia muito mais perigosa do que ele, a julgar por uma grande espada junto à bainha em sua cintura e duas pistolas de roda antigas presas por um cinto em transversal em seu abdômem. Vestia botas de couro e calças em tom terroso. Por cima da blusa de algodão, que outrora deveria ter sido branca, cobria-se com um enorme casaco de tecido grosso e tom escuro, com detalhes trabalhados em verde nas mangas, bolsos e gola. Tinha um lenço preso à cabeça, também verde, deixando os negros e lisos cabelos caírem-lhe pela pele alva. Seus frios olhos azuis estavam estreitos e sua face contorcia-se em uma expressão de desconfiança ao esquadrinhar o interior da taverna.

Elisa já tinha visto vestes semelhantes àquela em festas à fantasia e filmes antigos, mas não conseguia entender porque alguém se vestiria como um pirata ali na praia. Exceto se estivessem ensaiando para alguma peça teatral, o que explicaria a gravura da caveira que pairava em suas cabeças, mas nesse caso não haveria motivos para que se escondessem atrás do balcão.

— Estava preparando sua comida, como você gosta, meu amor — mentiu Thomas, andando ao lado dela e gesticulando com gracejo. — Mas você estava tão impaciente que acabei derrubando a panela, agora terei que limpar toda essa bagunça.

Libertália: Raízes PiratasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora