Capítulo 13 - A conversa entre irmãos

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Betinho acordou com o canto dos pássaros. Por um momento duvidou de que aquilo havia acontecido mesmo, para ele tinha sido um sonho, tinha de ser sonho, pois foi muito bom para ser verdade. "Não foi sonho, foi de verdade", ele pensou e sorriu. Ficou sentado na beirada da cama, ficou ali parado, apenas pensando no que aconteceu. "Beijei Laurinha! Beijei! Beijei sim!", pensou entusiasmado. Betinho teve vontade de contar à todos, teve vontade de gritar ao mundo seu grande feito, como se o maior feito que um homem podia fazer em sua vida fosse beijar a mulher que tanto amava.

Ele se levantou, colocou uma roupa e parou diante do espelho.

Encarou seu reflexo, encarou a si mesmo e sorriu.

— Betinho, você beijo Laura. — Ouvir suas palavras, ouvir aquilo ser dito em voz alta, fez o menino gargalhar e esquecer as dores que ainda sentia em seu corpo. — Beijei Laurinha... Eu beijei Laurinha... Beijei Lau... — A porta do quarto abriu num movimento rápido, era o coronel, era seu pai. Betinho paralisou-se, será que o velho coronel tinha ouvido?

— Vista-se e desça para o café da manhã. — Falou seu pai, mesmo sabendo que a surra que dera no filho não foi coisa boa, mesmo sentindo-se um pouco mal com aquilo tudo, o coronel não iria pedir desculpas. E na mesma rapidez que abriu a porta a fechou, deixando Betinho novamente sozinho. Receber aquela visita de seu pai logo pela manhã deixou o menino meio desanimado. Ele começou a se arrumar para tomar o café da manhã junto do pai.

Enquanto isso, o coronel desceu as escadas, desceu rápido demais e se sentiu meio sem fôlego. Tirou do bolso do paletó a cigarreira e pegou um cigarro, não era o primeiro cigarro do dia e muito menos seria seu último. Foi até a sala de jantar, antes de se sentar passou por Wanda.

— Bom dia, Wanda. — Disse e não recebeu resposta. Sentou-se, logo Betinho apareceu e sentou ao lado do pai. O coronel estava curioso, pois não havia encontrado Eustácio em seu quarto, ontem ele saiu para jantar na casa de amigos, o pai não viu que horas seu menino havia chegado e agora ele se perguntava se Eustácio havia voltado para casa. — Wanda, você viu Eustácio? Sabe onde está o menino?

— Não, não o vi e não sei. — Wanda respondeu secamente, enquanto colocava um pedaço de bolo de fubá no prato para Betinho. O coronel não gostou daquilo, não gostou do modo com que Wanda lhe respondera, mas não gostou do fato de Eustácio ter passado a noite fora sem avisá-lo. O pai daquela família ficou ali, passou manteiga num pedaço de pão e comeu sem pressa, tomou um gole de café e permaneceu em silêncio diante do caçula. O coronel por um momento interrompeu o caminho da xícara até sua boca, parou e observou seu filho, nenhuma vez o menino lhe olhou nos olhos, sempre desviava o olhar. Era um sintoma do medo que Betinho tinha pelo pai, mas este achou que aquilo tratava-se apenas de respeito, respeito que um filho devia ter pelo pai. Ele levou a xícara à boca e tomou mais um gole daquele café, era puro, sentiu o amargor do gosto – "Maravilhoso", pensou o coronel.

A porta da frente se abriu, era imensa, ela rangeu alto denunciando a entrada de alguém no palacete. Coronel e Betinho interromperam o que faziam, ouviram os passos vindo da sala até ali aonde os dois estavam. Eustácio entrou, vinha sem pressa, sua aparência era deplorável, sua roupa estava amassada, a gravata frouxa e vinha carregando o terno na mão.

— Bom dia papai, bom dia Betinho. — Disse ao sentar-se ao lado direito do pai. O coronel repousou sua xícara sobre a mesa e começou a questionar Tacinho.

— Passou a noite na rua? Dormiu aonde? — Tacinho não respondeu, estava mais atento a manteiga que passava numa fatia de pão. — RESPONDA-ME, MENINO! — O coronel cerrou os punhos e bateu na mesa.

— Ora papai, ontem fui jantar na casa de meu amigo. Acontece que eu não era a única visita, alguns membros do partido também estavam lá. Jantamos, depois decidimos ir até um bar próximo dali, mas era um ambiente muito bem frequentado, não se preocupe... — Tacinho fez uma pausa, mordeu aquela fatia de pão, mastigou. Mastigou lentamente, o coronel estava impaciente, queria saber o restante da história, não estava tão nervoso como antes. De certo modo estava feliz pelo filho, sozinho o menino já conseguiu criar amizades dentro do partido republicano paulista. Betinho ouvia tudo atentamente, mas percebeu algo no irmão, em nenhum momento Eustácio olhava diretamente nos olhos do pai. "Ai tem coisa", pensou Betinho. —... Ficamos até tarde da noite, meu amigo pediu que eu dormisse no quarto de hóspedes e assim o fiz.

Café com LeiteWhere stories live. Discover now