Capítulo 8 - A revelação

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O coronel chegou na sala bufando de raiva, seu rosto estava vermelho como um pimentão. Eustácio não ligou para a bronca que seu irmão receberia do pai, para ele, seu irmão bem que merecia, então não seguiu o velho até o encontro com o irmão, foi cuidar de outros assuntos. Wanda ficou no andar de baixo, cuidando da arrumação da sala de jantar, supervisionando os funcionários, mas em seu íntimo temia pelo bem de Betinho. O garoto estava encolhido sofá, seu corpo tremeu por completo quando seu pai entrou na sala.

O pai chegou, caminhou mansamente e sentou-se ao lado do caçula, tentou ponderar bem suas palavras e começou dizendo:

— Você é comunista, Alberto? Seja sincero menino, diga-me. — O coronel juntou as mãos quando disse, como se fizesse uma prece, detestaria ter um filho comunista.

— Não, pai, não sou, mas...

— GRAÇAS A DEUS! — Disse aos berros agradecendo e levantando-se do sofá. — Pois eu prefiro ter um filho no partido liberal do que um filho comunista, Alberto. Mas você tem que tomar cuidado com o que diz, desse jeito você pode prejudicar nossa família, prejudicar a carreira de seu irmão e a sua carreira, meu filho. — Dito isso, Betinho sentiu nojo do pai, daquilo que acabara de dizer. O bem da família valia mais do que o bem do próprio caçula, era isso que sentia. O coronel assistiu o filho levantando e indo até a janela, além da raiva que sentia no momento, passou a sentir pena de seu menino mais novo. Ele respirou fundo e foi até o garoto. — Escute, Betinho, não sinta ciúmes de seu irmão, pois seu momento irá chegar, menino. Farei de meus dois meninos grandes homens e...

— Mas...Mas eu não quero isso, pai. — Disse timidamente o garoto que observava o jardim pela janela da biblioteca.

— Ora essa, e o que quer então? — Indagou o coronel, já meio calmo. Betinho pensou, talvez fosse esse o momento certo para revelar ao pai seu desejo, seu desejo de ser escritor.

— Eu...eu não quero ser político, não fui feito para isso. — Betinho parou de encarar a janela e virou de frente para o pai. — Quero ser escritor, meu pai. Posso ser muito bom nisso, tenho certeza. — O pai, o coronel, ao ouvir aquilo saindo da boca de seu filho sentiu a raiva tomando conta de seu corpo. Seu filho faria e seria o que ele desejasse que fosse, seria político, juiz, ou comerciante, mas jamais escritor. Para ele a arte da escrita era coisa de vagabundo, gente que não sabia o que fazer da vida.

— Deixe de bobagem moleque, que palhaçada é essa de escritor? — Falava, mas dizia com um tom cheio de raiva, mais parecia rosnar para o garoto. — Isso é coisa de vagabundo! Nenhum Andrada será escritor enquanto eu estiver vivo, entendeu!? Você será o que eu quiser que seja! Não vai sujar o nome de minha família! Você é um Andrada, não é qualquer um não!

O menino sentiu raiva do pai.

Sentiu o que sempre sentiu pelo pai. Quando este falava e maltratava os funcionários, quando este desmerecia os menos afortunados, quando este vangloriava-se por ter conseguido construir um império as custas do trabalho pesado dos outros. Sentiu ódio.

— Quer que eu seja o que? Alguém como o senhor?

— E por que não? E se for igual a mim, que mal há nisso? — O coronel perguntou provocando, estava quase pulando sobre o filho e dando umas boas palmadas.

— Ser igual ao senhor? Ser detestado por todos que o rodeiam? — Naquele momento Betinho disse sem sentir aquela timidez de sempre, pela primeira vez em sua vida, disse algo sem sentir medo. — EU NÃO QUERO SER COMO O SENHOR! JAMAIS QUERO SER O MÍNIMO PARECIDO COMO O SENHOR, ENTENDEU!? — O que Betinho disse ecoou por todos os cantos do palacete, Wanda no andar de baixo ao ouvir tratou de subir e ver o que acontecia. Eustácio achou graça, teve pena do irmão pois sabia que o pior ainda estava por vir, sentiu que deveria ver o que se passava ali. Laurinha, que ajudava a mãe organizando a sala de jantar, foi junto dela ver o que se passava, estava preocupada, sabia que algo de ruim estava prestes a acontecer.

— SEU MOLEQUE INGRATO! — O coronel disse aos berros, puxando Betinho pelo colarinho e dando um tremendo tapa em seu rosto. A marca de sua mão ficou estampada no rosto do garoto, com uma tremenda vermelhidão ao redor. Ele empurrou Betinho e ele caiu no chão, o coronel não teve pena, começou a desvencilhar vários pontapés no menino caído no chão. — VOCÊ VAI SER O QUE EU QUERER QUE SEJA, ENTENDEU MOLEQUE? — Disse dando os pontapés, o menino urrou de dor. — QUANDO COMPLETAR DEZOITO ANOS VOCÊ IRÁ PARA A FACULDADE E VOLTARÁ DIPLOMADO NO QUE EU QUISER! NENHUM FILHO MEU SERÁ ESCRITOR, ISSO É COISA PARA VAGABUNDO COMUNISTA! SEU MOLEQUE INGRATO!

— PARE, PAPAI! — Disse Eustácio perplexo ao ver aquela cena entrando na sala. Ele foi em disparada até o pai e o agarrou por trás, tentando domar aquela fera. — PARE DISSO HOMEM, CHEGA! POR FAVOR, PAPAI! — No chão, Betinho chorava sentindo dor.

Wanda e Laurinha chegaram na biblioteca e se assustaram com o que viram. Betinho jogado no chão, gemia de dor, Eustácio tentava com todas suas forças segurar seu pai. Imediatamente Laurinha foi até Betinho, colocou-se sobre o garoto, protegendo-o talvez dos próximos golpes que receberia.

— VOCÊ NÃO SABE QUANTO FOI DIFÍCIL PARA MIM SER O QUE SOU HOJE, SEU MOLEQUE! PRA VOCÊS A VIDA JÁ É FÁCIL DEMAIS, JAMAIS TERÃO DE PASSAR PELO O QUE EU PASSEI! — Disse o coronel, tentando se soltar dos braços de Eustácio.

— Deixa disso, papai, fique calmo. — Eustácio disse tentando acalmar seu pai mais uma vez.

— ESTÁ BEM! ESTÁ BEM! SOLTE-ME! — Seu filho o soltou, o coronel fez como se fosse dar um soco em Eustácio, mas conteve-se. — VOCÊ ESTÁ DE CASTIGO, ALBERTO! FICARÁ EM SEU QUARTO E NÃO IRÁ COMER NADA NO JANTAR! LEVE-O, WANDA, LEVE-O DAQUI! — Wanda foi até Betinho, com a ajuda de Laurinha saíram as duas carregando o menino cambaleante até seu quarto. O coronel estava ofegante, mas ainda teve forças para empurrar Eustácio para fora da biblioteca. — Saía, me deixe sozinho. Vá logo, menino, deixe-me só! — Eustácio saiu e o coronel trancou a porta, o velho coronel Andrada começou a chorar, procurou pela poltrona e logo se sentou.

"O menino pensa que foi fácil eu ter conseguido ser o que sou hoje?", pensou enquanto chorava, procurou a cigarreira, a mãos trêmulas pela emoção tentaram abrir a caixinha e então todos os cigarros caíram no chão. Ele buscou um e o colocou na boca, ficou fumando em meio as lágrimas, em meio as duras lembranças de sua vida que lhe vieram naquele instante. O coronel lembrou-se da infância, daquele tempo difícil e de seu herói, seu pai. Queria que seus filhos sentissem o que ele sentia pelo pai, o falecido general Andrada.

Café com LeiteWhere stories live. Discover now