E depois de tantas discussões bobas, quantas vezes voltei para aquela cama ao invés de ir embora, e acordei com os braços dele em volta de mim, dizendo que a culpa tinha sido minha. Muitas, mas no início ele não era assim. Eu é que trazia à tona esse lado dele. Eu tinha de mudar. Parar de acusá-lo, de murmurar tanto. Se eu fosse mais gentil, ele reagiria de outro jeito. Quantas vezes mudei minha abordagem antes de perceber que a única maneira de evitar o abuso era não tocar no assunto. Muitas, mas ele nunca me bateu, então eu fiquei por mais um tempo.

Não sei quando deixei de ser suficiente para ele, quando foi que deixei de agradá-lo, quando nossas transas se tornaram banais e ele precisou de mais, mais do que apenas eu poderia oferecer. De repente tinha uma, duas, três outras mulheres dividindo nossa cama, e eu não me importei, eu permite. Em nome dos nossos sentimentos eu permite, me omiti e me excitei com tudo aquilo, com todo aquele excesso, porque se eu não era mais suficiente e mesmo assim era para mim que ele sempre voltava, decerto as coisas ainda eram boas entre nós dois. Até o dia que ele não voltou com elas. Chegou em casa com dois colegas de trabalho, trabalho esse que ele nunca me contou qual era, contudo, eu sempre desconfiava. Eu achei que ele apenas queria sair da rotina, que era apenas uma fantasia e deixei que todos eles me usassem, me desejassem, me senti admirada, seduzida, amada. Mas depois, ah, o depois... me senti suja, usada, violentada, porém em momento algum eu disse 'não'. Não é crime se foi consentido.

Tudo virou um círculo vicioso. Eu queria agradá-lo, queria ser suficiente e ele apenas queria me manipular, mostrar à todos o quanto era capaz de mandar em mim. Me humilhou, me diminuiu, me insultou, mas nunca me bateu, apenas alguns empurrões e beliscões.

Tive medo de fugir do caos. Como eu poderia explicar que achava que a culpa era em parte minha, apesar de sentir vergonha de ouvir aqueles chavões saindo da minha boca. Ninguém realmente vai entender. Ninguém o conhecia como eu. Minha função era protegê-lo da verdade do que ele fazia comigo. Não poderia deixar que achassem que ele era um monstro. Não contaria para ninguém. Estava totalmente sozinha. Mas ele nunca me bateu, então eu perdoei nossas divergências.

Diante de tudo que acontecia, eu só conseguia imaginar que essa era a forma que ele tinha de me amar, era um pouco diferente, mas era a forma dele. Ainda assim, a cada dia que se passava, suas palavras ficavam cada vez mais duras e era cada vez mais difícil acreditar que aquilo fosse amor.

"Você é uma gorda, se eu te largar, quem vai te querer?". "Não sei porque ainda estou contigo". E cada vez que uma destas frases era pronunciada, uma nova lágrima escorria dos meus olhos e ele fazia questão de dizer que a culpa era minha, enquanto eu implorava desculpas, com a certeza de que eu era sempre culpada de tudo.

E hoje, cansada de tudo que andei vivendo, decido tomar uma atitude no calor do momento enquanto me resta um pingo de coragem para reagir.

— Você nunca me bateu, assim como nunca foi homem pra mim Victor. Você fez com que eu me anulasse e deixasse de ser quem eu sou, então hoje eu te deixo. Vou embora pra nunca mais voltar. — despejo confiante.

Violentamente Victor me agarra lançado meu corpo de bruços na cama, passa seu braço pelo meu pescoço e se deita sobre mim com toda sua força me impedindo de respirar corretamente.

— Acha que vou te deixar ir, pra correr pros braços de qualquer merdinha? Acha mesmo que alguém além de mim vai te querer hermosa? — evito olhar para ele de tão surpresa que estou.

Não sei de onde vem tanta fúria, apenas sinto o peso de sua brutalidade. Em um movimento rápido Victor me iça da cama e me prende entre ele e a parede.

— Eu tenho nojo de você Vanessa, sempre tive sua puta de mierda. Te aturei porque me foi conveniente, mas seu tempo acabou pra mim. Minha fase de bom moço acabou, enfim, tenho alguns inimigos pra matar, mas não se preocupe não — ele passa sua língua quente e áspera na meu pescoço, e algo que um dia gostei tanto agora enjoa meu estômago — se você sobreviver a minha despedida um dia volto pra terminar de vez.

Mesmo apavorada ao ouvir tudo isso tento reagir de qualquer forma, lutar até a última gota pela minha vida. Ele me agarra pelos cabelos e me arrasta para dentro do banheiro e enfia minha cabeça dentro do vaso. No início acho que sua intenção é me afogar, até sentir seus primeiros chutes, pesados e certeiros em meu estômago e costelas e entendo que ele está abafando meus gritos. Tento me defender me sacudindo o máximo que posso, forçando minha cabeça para fora da água.

Mujer inmunda, sou eu que pago seu aluguel, que coloco comida aqui, pago todas suas contas, espero que você fique na sarjeta se ainda conseguir respirar. Não quero te matar, mas também não vai restar muita coisa pra recolherem de você.

Com uma dor extrema sinto ele puxar minha cabeça quase arrancando metade do meu couro cabeludo. Indo contra todo o zelo que demonstrava ter comigo, Victor me coloca de pé novamente apenas para me lançar um olhar de desprezo. Suas mãos se apoderam das laterais do meu rosto e ele me empurra brutalmente contra a parede repetidas vezes, fazendo com que minha cabeça bata com tanta força no azulejo do banheiro que tudo que escuto é o eco da pancada. Repetidas vezes. Não satisfeito, ele me arrasta para a sala e arranca toda minha roupa me deixando totalmente nua. Tudo parece tão surreal que eu quase não identifico se isso é um pesadelo ou se está acontecendo de verdade. Não pode ser real isso, ele sempre dizia que me amava, quem ama não bate.

Tento ter algum pensamento racional, entretanto a dor começa a tomar conta da minha consciência. Victor começa a desferir pesados socos no meu rosto e a única coisa que consigo distinguir é o ácido gosto de sangue.

Deus, por favor, me faça sobreviver a isso. Sou jovem demais para morrer. Ainda queria viver tantos sonhos, tantas emoções, realizar vários desejos. Ser mãe, me casar com um belo príncipe encantado, realmente ter uma família. Te imploro, envia alguém para me salvar, me libertar das escolhas que eu mesma me afundei. Eu prometo nunca mais cair nos mesmo erros, mas, por favor, me salva.

A escuridão me leva e não tenho certeza se meu apelo será atendido por alguma divindade, e se talvez alguém venha me salvar.

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Atualizado em...

04/03/19.

Destinos CruzadosWhere stories live. Discover now