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A sensação ruim ficou em mim para sempre, o sentimento sempre vivo em minha memória. Naquele exato momento eu me senti traída, ludibriada e bastante magoada com a realidade. Onde estava a paixão avassaladora? O encontro de mundos ao toque dos dois corpos apaixonados? Todo aquele fogo que permeava a intimidade?

Constatei que se a realidade tinha apenas aquilo para me oferecer eu preferia morrer afogada na ilusão que os romances me traziam, mesmo que fossem meras mentiras. Prometi a mim mesma que não beberia mais daquela fonte inosa. O problema foi que sou péssima em dizer 'não', ao ponto de só perceber o erro tarde demais. Eu bebi daquela água poluída mais vezes do que posso me lembrar. E amarguei pela dose final.

Meu relacionamento com meu primo durou até meados da minha maioridade, quando almejei um futuro entre nós baseada nas vãs promessas que ele sempre floreava, nas inúmeras vezes que ele me iludiu para ter seu prazer individual. Ele sempre deixou bem claro que para seu futuro gostaria de ser um homem bem sucedido financeiramente, compor sua família com vários filhos e uma boa esposa, e que ser um homem casado seria a base de seu alicerce. O que eu não percebi na época é que em momento algum estes planos sequer mencionavam meu nome, sequer me adicionava neste futuro feliz.

A facada final aconteceu dois dias antes do meu aniversário, mais de um ano após a nossa primeira vez. Imaginei que iria ganhar o melhor presente, aquele que tanto ansiava, que enfim Miguel contaria para toda família sobre nós e iriamos viver felizes para sempre, mesmo diante dos pormenores. A grande ocasião chegou e junto a ela Miguel acompanhado por sua perfeita namorada, uma tal chamada Cecília. Uma linda e loira garota da nossa idade, de boa família e tão religiosa quanto os pais de Miguel. Não demorou muito para que o namoro fosse oficializado e o casamento praticamente decidido entre às duas famílias.

E eu? Bom, eu literalmente não me encaixava mais ali diante as fofocas internas das minhas primas e primos. Eu achava que quando Miguel me fez entender que nossa história era secreta ele pretendia futuramente preparar nossos familiares para aceitar nosso amor, aceitar nossa união. Aquele dia foi o segundo em minha vida que me vi totalmente errada e tola na vida. Moços bons nunca terminam felizes para sempre com a gata borralheira.

Depois disso segui em frente com minha vida e fui viver ou presenciar outras coisas mais interessantes. Presenciei muitas cenas no colegial quando enfim tomava coragem para matar aula e me juntar ao grupo de alunos rebeldes. A intimidade que as garotas mais populares tinham com os garotos mais desejados da escola não se parecia nem de longe com o contato que tive com meu primo. De alguma forma, mesmo que eu presenciasse apenas beijos e pequenas carícias mais ousadas, parecia melhor do que a coisa fria e rápida que me Miguel havia compartilhava comigo.

Os dias se passaram e depois de diversas coações vindas de Larissa ao acusar a mim e Lunna de covardes, já não era sempre que arriscávamos nos encaixar no grupo dos alunos 'descolados'. Porém, um dia passamos por cima de tudo e embarcamos de cabeça em uma festa. Não foi uma boa experiência para nenhuma de nós três. Larissa foi julgada por andar com duas pobretonas. Lunna foi julgada por ser negra e seu cabelo crespo. E eu, já estava acostumada a ser chamada de gata-borralheira por minha família, então nem ouvi do que mais me julgaram. Antes disso, enquanto circulava por uma bela casa a beira de uma esplêndida piscina, da mansão de alguém afortunado do colegial, eu assisti uma cena no mínimo atípica, pelo menos para mim.

Flagrei um casal transando nos fundos da casa. O que chamou minha atenção antes de tudo foi os sons que os diferenciavam da música que repercutia dentro da casa. E quando os avistei seminus, diga-se de passagem, a cena me chocou um pouco. A menina que eu não desconhecia por completo, pois já havia visto em algum lugar na escola, estava apenas de sutiã apoiando suas mãos na parede, enquanto o rapaz que eu tinha certeza que nunca o tinha visto, estava de calças desajeitadamente jogada no chão e a blusa levantada e presa com o auxílio de seu queixo. Ele, colado as costas da garota, parecia dizer alguma coisa importante ou bastante engraçada pela forma como os dois sorriam incessantemente. Consegui perceber também que ele mordia o pescoço dela enquanto com suas mãos livres brincavam com seus seios ainda presos na única peça de roupa que nela ainda restava. Percebi o exato momento onde parecia que ele pedia permissão para invadi-la e ela apenas balançou a cabeça em concordância. O rapaz não perdeu tempo e se encaixou rapidamente, provocando um gemido incomum da moça. Visto de longe, tudo me pareceu como uma dança de acasalamento, os movimentos que vi o rapaz fazer pareciam minimamente com os do meu primo, porém, de uma forma mais sensual e experiente, aparentavam estar sendo consideravelmente agradáveis para a moça, e ela se mostrava feliz e bastante envolvida, de olhos fechados para desfrutar melhor das carícias que recebia. De longe eu conseguia ouvir quase que em bom-tom os gemidos de ambos. Um arrepio quente percorreu meu corpo enquanto assistia aquilo, e sinceramente, era mil vezes melhor do que apenas ler sobre aquilo, a riqueza de detalhes me era fascinante. Ver como os corpos se chocavam, os beijos que compartilhavam mesmo naquela posição, as mãos do rapaz percorrendo dos seios até a barriga da menina, era como se ele estivesse acariciando a mim junto com aquela cena. Minha respiração foi acelerando conforme o ritmo deles, e por algum motivo desconhecido para mim, por uma fração de segundos, meu corpo começou a caminhar para próximo deles.

Fui impedida no terceiro passo quando Larissa me puxou pelo braço e esbravejou que devíamos sair dali, que não era o nosso lugar. Como que retirada de um transe, toda aquela áurea de calor se dissipou e mesmo me corroendo por dentro para ficar, eu a acompanhei para longe a procura de Lunna para irmos embora o mais breve possível daquela casa.

E assim, tristemente findou-se minha pequena aventura de observar a intimidade alheia, o que não matou por completo minha curiosidade quanto a este assunto. Contudo, acendeu novamente a chama de minha paixão pelos romances avassaladores e eróticos, e nunca mais permiti que ninguém murchasse novamente minhas doces ilusões literárias porque depois daquela cena eu senti que em algum lugar ainda me restava um pouco de esperança. Um belo príncipe deveria estar em algum lugar, escondido, apenas aguardando que nossos destinos se cruzassem.

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✏Atualizado em...

28/02/19.

Destinos CruzadosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora