CAPÍTULO 4 - SÓ QUERIA QUE VOCÊ SOUBESSE

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Acordei com uma resolução: vou voltar ao café.

A curiosidade venceu a vergonha que toma conta de mim sempre que relembro os acontecimentos daquele dia.

Seul é imensa, a cafeteria onde tudo aconteceu é só mais uma das milhares da cidade. Mas mesmo sabendo que as possibilidades são quase nulas, eu realmente gostaria de vê-lo novamente.

E isso, sendo eu quem sou, é bem estranho, uma vez que, se me recordo bem, a intensa vontade de rever um cara depois de tê-lo encontrado uma única vez envolveu uma troca violenta de fluidos corporais com o bônus de uma pegada inesquecível.

Esse calorzinho na barriga trazido pela lembrança daqueles olhos sorridentes também é incomum, mas totalmente bem-vindo por tirar minha cabeça do real problema: Maria Eduarda.

Ela me assusta. E não falo só daquele clima fúnebre de filme de terror do quarto ou da maneira como seu irmão reagiu a tudo.

A tristeza foi o que me assustou. O sentimento contínuo que fluía incontido de lá, eu conheço bem.

Desperta pelo leve solavanco do ônibus, desço taciturna, o que só dura até que eu veja aquela fachada e um sorriso comece a se insinuar por meus lábios. Se eu não mais visse o moço dos olhos sorridentes, estaria reconfortada pela certeza de que ele nunca me esqueceria.

Apesar de tentar bancar a desapercebida, meus olhos me traem, escaneando o café logo que entro. Me pego pateticamente erguendo o pescoço só para notar, com desgosto, a falta de quem eu realmente queria ver ali.

— Um macciato, por favor. — A moça no balcão assente sustentando meu olhar por tempo demais.

Pego o café, pago e vou me sentar.

Na tentativa vã de me concentrar em outra coisa que não seja olhar o lugar a cada dois segundos, eu entro em todas as redes sociais possíveis. Encontro a moça do caixa me encarando por duas vezes quando a curiosidade leva a melhor.

Procuro relevar. Ela deve estar lembrando do meu mico inesquecível.

Tento focar nas fotos da Irene, uma das poucas amigas que deixei no Brasil. Seria eu ao lado dela se eu não estivesse aqui, mas tudo parece desinteressante demais em comparação à maldita expectativa.

Expectativas... Estou começando a não reconhecer essa Mina.

Como nada acontece, o passar do tempo leva pensamentos de volta para a Maria Eduarda, de novo e de novo.

Nada disso deveria ocupar minha cabeça que faria melhor estando centrada na especialização em coreano e na bolsa de estudos na Europa que eu, com ajuda de alguns professores, estamos tentando há meses.

Perdida nos pensamentos que insistem em embolar minha mente, saco o celular enviando uma mensagem para Nana, minha melhor amiga, mas ela também não me responde. Eu sei, eu sei que ela está estudando para a prova da magistratura federal, e é muito difícil, e que ela estuda oito horas por dia, que é o tanto que eu deveria estudar também e blá, blá, blá.

Só que não. Não é isso que quero.

Já dizia a sábia filósofa contemporânea, Selena Gomez, que o coração quer o que ele quer, e no momento, mais do que querer, eu preciso de uma amiga para amparar meu nervosismo com frases clichês que eu geralmente odeio.

Eu, que achava que não tinha um coração, me lasquei.

Como último recurso, ligo para tia Chris, só para ouvir o aviso de telefone desligado.

Bosta de dia.

Resignada, decido ir ao banheiro antes de ir embora. No espelho, vejo meus cabelos negros que caem em ondas acentuadas pelo baby liss até o meio da minha cintura. Passo os dedos nos cílios tentando ressaltá-los e fico satisfeita com o resultado.

Só Queria Que Você Soubesse (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now