CAPÍTULO 3

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A casa da família Jung desponta imponente à minha frente com seu jardim quase interminável que nunca falha em me maravilhar.

É tanta opulência que nem consigo imaginar como teria sido crescer em um lugar como esse, ao invés do pequeno quarto compartilhado sem privacidade no qual vivi parte da vida.

Fazem alguns dias desde o incidente vergonhoso no café e duas coisas não aconteceram novamente: nunca mais vi o sorriso de olho mais amor da vida e também não voltei mais lá.

É provável que a segunda coisa se deva à primeira, mas se eu sei de algo sobre mim e a minha vinda para o outro lado do mundo, é que não estou aqui para caçar carinhas. A Mina na Coréia não tem as mesmas prioridades da que adicionava nomes e rostos a uma lista cheia de nomes masculinos que crescia constantemente.

Quando um dos meus professores da época da faculdade, um coreano que, por ironia, tinha me dado aula no curso de Letras, ligou perguntando se eu teria disponibilidade para vir morar em Seul e ensinar idiomas para os filhos de um casal amigo seu, entendi que estava na hora de usar o suado dinheirinho da poupança para dar um upgrade na minha carreira.

Eu deveria priorizar países de língua inglesa e francesa, os componentes da minha graduação. Mas para quem mal havia saído do próprio estado no Brasil, uma oportunidade de emprego do outro lado do mundo era uma oportunidade a ser agarrada.

O salário oferecido foi além das minhas expectativas, as férias para o cargo eram maiores do que a média dos coreanos nativos geralmente usufrui, eu estudaria na faculdade e até poderia conseguir outros alunos para complementar a renda, mesmo que não precisasse.

Quase nem acreditei, era bom demais para ser verdade. Ainda mais sendo eu a destinatária de tudo aquilo. Mas era isso, meu momento havia chegado.

Dong Young e Maria Eduarda, os filhos do casal amigo do meu professor, são motivo da minha euforia e sofrimento.

Ele, mesmo estando naquele período chato da adolescência, é um menino dócil que distribui sorrisos e fica atento às aulas, quase como se estivesse vidrado em mim, o que me incomoda um pouco às vezes. É a parte da euforia.

Já Maria Eduarda é a própria incorporação do meu desespero, há todo um sigilo ao redor dela, de forma que já são mais de dois meses sem que eu a tenha visto.

Imaginei que ter como aluna uma brasileira seria anos luz mais fácil do que um coreano, mas como lidar com alguém que nem mesmo ainda vi?

E o maior problema nem é esse na realidade.

Não gritar que sou pobre aos quatro ventos não quer dizer que eu não me preocupe com dinheiro. Afinal estou sozinha do outro lado do planeta e meu estômago chega a doer em pensar no que fazer se resolverem cortar a parte do meu salário correspondente a ela.

— Senhorita Silva, pode entrar.

A governanta me recebe com um sorriso, me levando para a biblioteca, onde já encontro meu aluninho ansiedado.

— Hey, Dong. — O cumprimento com um hi-five. — Tudo certo, 'bro'?

— Hey, teacher. Muuuuito certo.

— Então vamos começar nossa aula de hoje, pequeno padawan.

— É para abrir em qual página, sábia mestra jedi?

Meus olhos se arregalam e um sorriso invade meus lábios.

— Wa, você já assistiu, Dong Young? Curte Star Wars?

Ele revira os olhos como se estivesse decepcionado e responde em tom sarcástico.

— Por acaso eu respiro, querida professora?

Só Queria Que Você Soubesse (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now