CAPÍTULO 2

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Um café muito, muito, muito bonito esse que eu não estou tomando.

Se saboreio algo, é a visão desses ombros largos a minha frente, eles fazem com que a cadeira em que ele está sentado pareça pequenininha em comparação.

Encará-los faz flashes proibidos para menores de dezoito anos — ou dezenove aqui na Coréia — correrem loucamente pela minha memória. Com isso a minha necessidade de uma explicação decente sobre o que tem acontecido comigo na Coréia emerge.

Nunca tive problemas em pedir números alheios no Brasil, sempre fui franca demais para o meu próprio bem, o que era um saco quando eu acabava tendo que organizar os esquemas das minhas amigas que não podiam simplesmente verbalizar para o crush um: "Ei, tudo bem? Gostei de você. Pode me passar seu número?"

Qual é a grande dificuldade da coisa?

Talvez minha facilidade se deva ao fato de sempre ter tido amigos homens, e adorá-los. Aprecio bastante aquela tênue e nunca certa linha do relacionamento amigo-amiga em que, da parte deles, sempre há a chance de uma amizade com benefícios, enquanto da nossa nem sempre.

Ainda assim, nem mesmo meus amigos homens me indicavam para quem me quisesse para algo mais sério. Nana, por exemplo, costumava dizer que eu deixava meus ex chupando dedo, ou só os deixava para lá mesmo.

Fazer o quê? Nunca prometi amor eterno a ninguém.

Mas acontece que aqui na Coréia do Sul a seca é real.

Coreanos são mais fechados à aproximação e tendem a ser bem mais tímidos do que nós. Isso sem mencionar a barreira linguística.

As coisas melhoraram consideravelmente quando meus colegas de sala descobriram que eu falava sua língua. Na maioria dos outros lugares os pescoços ainda se viram na minha direção quando me comunico em coreano, mas aos poucos me acostumo, como venho fazendo um dia de cada vez com tudo o que me cerca.

Voltemos ao assunto principal, a seca.

Esses dias vi um gatinho na faculdade e mal, mal consegui me mover. Acho que talvez isso seja efeito de assistir doramas demais, e colocar os oppas em um pedestal, sendo que lá no fundo, eles são só homens, tão merdas — ou tão legais — quanto os do mesmo sexo residentes do Brasil.

Acontece que agora eu estou aqui, focada num pedaço de pele branca que termina em escuros cabelos ondulados, e eu juro juradinho, que me custa muito esforço para não me levantar, ir lá, enfiar os dedos neles e fazer o melhor cafuné que esse carinha já sentiu.

Meus dedos chegam a formigar.

Sei que minha observação está um pouco demais quando escuto aquela risada de novo, a mesma de quando meu celular caiu. Decido espiar um pouquinho.

— Wa. — Falo baixinho ao dar de cara com o amigo dele que me sorri divertido.

Ele não parece ofendido de eu o estar secando com cara de idiota. O moreno só age como se achasse graça.

Sua cor não deveria ser motivo de surpresa, não se eu estivesse no Brasil, onde um dos maiores símbolos da cultura é a miscigenação, mas em Seul é a primeira vez que encontro um negro que é claramente coreano.

Começo a me perguntar como não tinha reparado nele antes, mas dado o estado que o homem em sua frente me colocou, ele poderia estar totalmente caracterizado de Patati Patatá que eu não daria a mínima.

Balanço a cabeça desviando os olhos e decido usar o tempo que me resta de forma útil lendo um livro em coreano. Melhor praticar o idioma do que praticar vergonha, minha carga horária nessa matéria é extensa.

Só Queria Que Você Soubesse (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now