Não sou uma pessoa tão horrível assim

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Depois da noite maravilhosa que tive com a Miss Mia, cheguei ao hotel e caí na cama.

  É espantoso como o jogo da conquista cansa. E, como hoje ele não resultou em lençóis bagunçados, meu relaxamento se dará por uma banheira cheia de água quente. Meus pés doem. Fiquei em pé o dia inteiro, desde a manhã na filial da La Madre, checando o desempenho da rede paulista, até o momento em que me sentei com a Mia para jantar.

  A espuma me faz lembrar do mar. Recordo-me dos tempos em que morava aqui. Eu era criança e minha mãe costumava ir à praia comigo todas as sextas para assistir às minhas aulas de surfe. Naquela época, ela era muito tranquila, e eu fazia questão de passar as férias ao seu lado todo os dias, o dia todo.

  Mas algo mudou no verão do meu sexto ano. Ela começou a agir estranhamente, como se fosse duas pessoas, ora feliz, ora depressiva; ora esgotada, ora agitada. O divórcio foi extremamente horroroso e fê-la perder o sono por incontáveis noites. Mamãe tinha medo de voltar à pobreza. Mas, acima de tudo, ela estava arrasada por outro casamento ir por água abaixo. Desta vez, porém, a culpa não foi dela. Devo frizar que o seu segundo marido era ainda três vezes pior, e dez vezes mais canalha, que o primeiro. Isso partiu o coração dela e acho que ele nunca mais ficou inteiro.

  Quando voltamos para a Argentina, mamãe descobriu que estava grávida. Estava de cinco meses e não podia mais interromper a gestação com remédios. Não que ela pudesse fazer isso. O aborto, para ela, sempre foi o maior dos tabus e o pior dos pecados. De qualquer forma, a gravidez acabou sendo mais eficaz que uma terapia e, em vez de mais mudanças de humor e dias depressivos, ela ficou alegre.

  Então o bebê nasceu. E ele era a cara dela. Mamãe não poderia ter ficado mais feliz. Juro que os seus olhos brilhavam quando estava com ele no colo. Parecia que um novo tempo, de paz e de felicidade, se inaugurava em nossas vidas. Era como o arco-íris depois da tempestade.

  Mas, em uma noite chuvosa, eu voltava para casa depois de passar o dia jogando na casa de um amigo. Eu precisava caminhar por apenas três ruas até lá, mas a chuva provocou uma enxurrada desafiadora e tive de pedir para minha mãe me buscar. Ela não gostava que eu dormisse fora e então saiu de casa. Quando chegamos, a casa estava em chamas. E meu irmãozinho... também. 

  Ela nunca mais foi a mesma depois disso. Não sei a quem ela culpa mais: a mim, por ter ligado naquela noite, ou a ela mesma, por ter sido negligente. Nunca falamos sobre isso. Mas o desprezo que ela adquiriu por mim não precisa de palavras, apenas de olhares, de gestos e da falta deles.

  É verdade, eu não costumo ser emotivo. Mas quando penso em como ela me odeia pela morte do meu irmão, desejo conquistar o mundo inteiro para provar a ela que eu não sou uma pessoa tão horrível assim.

***

   Antes de deitar, dou uma última olhada no celular.
   Se você é representante de uma marca, deve entender o mundo dela. No meu caso, isso significa entender sobre perfumes, roupas e grifes. Isso significa ser refinado. E antenado. E constantemente... flagrado.

   "Ian Vaz é visto em loja de grife e em restaurante com Mia Ribeiro" diz um blog menor. O maior diz: "Ian Vaz é visto em momentos íntimos com Mia Ribeiro, a diretora da Vitta". E por fim, o mais sensacionalista enfatiza: "O que será que um argentino mal caráter faz com uma dama dos negócios nas ruas de São Vicente?".

   Nem me dou ao trabalho de ler os posts. Desligo a tela e coloco-a para baixo, para evitar ser acordado pelos pop-ups irritantes.

A Maldição dos Homens Bonitos #CPOWHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin