Faxina

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Manhã de terça-feira.

Foi uma noite chuvosa, o que aumentou a preguiça do meu ser.

Nas férias, sempre adio uma ou duas coisas que tenho que fazer para depois, o que amontoa um pouco as tarefas. Já sou preguiçoso por natureza, mas nas férias? Nem se fala.

Desde Dezembro do ano passado estou prometendo uma faxina no meu quarto. Meu quarto está tão sujo, mas tão sujo que se eu cavar um buraco no meio dele, ele vira um aterro.

Mentira, estou exagerando.

Só esqueci de dizer que nessa manhã de terça eu amanheci preguiçoso, porém disposto. É paradoxal juntar preguiça com disposição, mas minha alma é paradoxa até o último gene meu.

E, por estar disposto, logo me levantei e comecei a me preparar para a longa faxina que estava por vir.

Comecei pelos livros. Sou daquele tipo de gente que sempre compra um livro aqui, um livro acolá, mas lê-los que é bom... Nem sempre. Vivo em sebos comprando velharias valiosas, coisas que ninguém comenta, mas que são relíquias. E vou guardando, guardando, guardando, até o quarto, doce quarto ficar mais cheio de velharias que o limite naquele beco que ele costuma ser.

No fim, não joguei nenhum livro fora. Eu não consigo jogar livros no lixo. Tão bem pensados, bem escritos, bem elaborados... Eu me sentiria um malfeitor se eu jogasse todo o trabalho e o suor de grandes escritores em uma lixeira. Fico pensando no sacrifício que passo escrevendo os meus e lembro daqueles que escrevem.

A parte dos livros terminou rápido, então continuei a faxina com a parte das revistas. Não sei pra quê leio revistas! A política brasileira está um horror!... Tem horas que vale mais ser um analfabeto político do que entender essas politiqueiras... Joguei fora até as que recebi ontem e nem abri para ler. Sensacionalismo barato...

Essa minha atrocidade te chamou atenção? Porque agora, eu lembrando de tudo isso, chamou a minha atenção, sim. Lembrem-me de cancelar a assinatura daquela revista e trocar elas pela Netflix...

Mas sabe o que mais me chamou atenção nessa faxina? Foi uma caixa que eu encontrei diante de toda aquela bagunça! Uma caixa azul, com um lacinho azul. Realmente, bem delicada.

Eu me lembro dessa caixa, só não sei mais qual foi a história dela. E lembro também o que guardei ali.

Faz bastante tempo, mais de 5 anos.

Cartas.

Eu sempre recebi cartas. Cartas de pessoas que eu amei: amigos. Pessoas que eu sempre quis bem, independente de tudo.

Quando abri a caixa, confirmei. Era isso que eu guardei o tempo todo: cartas escritas à mão, com dedicatória e tudo, dentro de envelopes feitos com papel e cola, desses bem simples e mimosos, feitos de folhas de caderno.

Resolvi lê-las. Eu realmente estava bem disposto.

Muitas delas estavam cheia de promessas, mas não de sentimentos. "Nunca te abandonarei", "Sempre te amarei", "Sempre serei sua melhor amiga".

Eu li aquilo como se fosse a primeira vez, mas depois de ler, eu recordei tudo o que aconteceu e percebi o quanto é falho a questão do prometer.

Descartei daquelas cartas uma lição para toda a vida: a gente nunca deve prometer algo a ninguém. O futuro é incerto, ele não pertence à gente. Amanhã pode ser cedo ou tarde, mas a gente não define isso. O presente é presente, o passado passou, e o futuro pertence ao Sr. Tempo. A gente nunca saberá o que irá, o que permanecerá. Por isso é que devemos viver o dia de hoje como se fosse o último, o único. Por isso que eu sou preguiçoso assim, porque amo a minha preguiça. E não, não estou perdendo nada com isso; por isso, não me fale de procrastinação.

Não eram muitas delas, mas todas as cartas falavam a mesma coisa: promessas que nunca foram e nem serão cumpridas.

Mas sabe o quê que eu fiz com aquelas cartas?

Queimei-as.

Sim, queimei todas elas com álcool e isqueiro. Depois, coloquei as cinzas no velho cinzeiro e despejei tudo em uma lata de lixo.

As palavras daquelas cartas estavam todas no meu inconsciente. Não era necessário guardá-las. No final de tudo, sempre temos lembranças. Lembranças que nunca esqueceremos; portanto, sem necessidade de coisas para lembrá-las.

Queimei todas por esse motivo e por piedade de todos aqueles que escreveram. Li uma vez que uma alma prometedora e não cumpridora só é perdoada e libertada da escravidão do prometer quando seus velhos costumes são evaporados pela força do tempo e do vento, e, nesse caso, pela força do fogo. Era necessário fazer isso. Almas precisam ser libertadas todos os dias. Verdadeiras velharias devem evaporar junto com o passado.

Essa havia sido a minha aula prática da lição diária da vida que já foi estudada e entendida por mim. E a sua, caro leitor? Já aprendeu alguma coisa hoje? Não se esqueça de aprender, todos os dias, sem exceção. Porque só assim que se aprende a viver com cada situação que a vida obriga a gente a viver, ou pelo menos conviver.

MetamorphoseWhere stories live. Discover now