Meu último texto, minha última carta.

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  Ao meu amor, que já não é mais meu amor há um tempo, eu peço perdão. Perdão pelas vezes que te amei além do necessário, e perdão por me preocupar além da sua permissão. Me perdoe pelas vezes em que te magoei e pelas vezes em que vacilei. Me perdoe por ter feito você perder o brilho no olhar que tinha quando olhava para mim, e também por ter feito você querer chegar ao fim. Perdão por ter ido sem me despedir pessoalmente e diretamente a você, e perdão por ter ido sem lhe dar um último beijo ou um último abraço. Você ficará bem, sempre admitimos que não precisávamos um do outro, apenas não queríamos viver sem o outro; você ficará bem, lembro das nossas conversas quando prometíamos um ao outro que iríamos amar de novo depois que o primeiro de nós morresse, mas você não precisou esperar que isso acontecesse. Independe do lugar que estou agora, estarei sempre te vigiando, cuidarei de você.
  A minha família, que não adianta eu pedir para que não sofram pois sei que sofrerão, eu peço perdão. Perdão pelas vezes que me transformei em outra pessoa quando o que vocês mais queriam era aquela garotinha de 5 anos atrás, e perdão por ter mudado tanto ao longo dos anos. Me perdoem pelas vezes em que decepcionei vocês, pois não foram poucas, e também pelas vezes em que não fui a filha que esperavam ter. Me perdoe por ter escolhido desistir, por não ter sido forte o bastante para não ter feito isso por vocês. Perdão por ter ido sem dar algum sinal, perdão por ter ido sem deixar algo que conforte vocês. Vocês ficaram bem, ou pelo menos eu espero isso; vai doer por alguns anos, e no meu aniversário, ou no dia dos pais, ou no Natal e ano novo, vocês irão sentir aquele vazio que senti durante esses últimos anos, e vão achar que deveriam se juntar a mim, mas não irão, eu não iria querer isso. Vocês já perderam muito, eu sei que são fortes, e sei que superarão isso também, eu não estava feliz aqui. Estarei com vocês independente de onde eu estou, segurarei a mão de vocês sempre que precisarem mesmo que não sintam.
  Aos meus amigos, que estiveram comigo até quando me sentia sozinha, eu peço perdão. Perdão pelas vezes em que abracei a pessoa errada quando eram vocês que estavam comigo, e perdão por não ter sido a amiga que vocês mereciam. Me perdoem pelas vezes em que não acreditei na nossa amizade, e também pelas vezes em que os culpei de algo que não era necessário. Me perdoem por não ter contado isso para vocês antes, sei que foi egoísmo da minha parte, mas minha confiança já tinha sido gasta demais. Perdão por ter ido sem ter dado a vocês o último passeio com um sorriso no meu rosto, e desculpe por ter dado adeus aos sorrisos e aos passeios. Vocês ficaram bem, existem outras pessoas que podem ajudar vocês a superar o luto, e ele não durará por muito tempo, encarem isso como uma viagem sem volta. Estou com vocês em cada passeio novo que dão, mesmo que não possam me ver, e eu sei que deixam aquela cadeira vazia de propósito.
  A mim, que como outros já não me reconheço mais, eu peço perdão. Perdão pelas vezes em que permiti que o meu mal tomasse controle de mim, e perdão por não ter salvado a mim mesma. Perdão, por tudo, por todos. Minha decisão foi completamente imoral, e ainda não estando aqui consigo ouvir as pessoas dizendo isso, mas a tristeza duraria para sempre e eu era uma pessoa excessiva, eu não teria dado conta. A vida se tornou insuportável e meus dias se tornavam solitários; se a pessoa para quem pedi ajuda tivesse me escutado e me apoiado, talvez o final teria sido diferente. Chega de dar bom dia, chega de caminhar com os pés na areia, chega de chorar e de gargalhar, chega de viver. Não tenho mais paixão, por mim, pela vida, por algo, por ele, e nem por nós, e eu estava desaparecendo um pouco a cada dia, e isso era atormentador. Uma vez um professor meu me disse que eu tinha facilidade de começar textos mas não de terminá-los, mas talvez isso seja porque eu nunca disse o suficiente. Eu deveria acabar esse, para trazer um certo conforto as pessoas que estão sofrendo pela minha partida, mas esse é um texto (ou uma carta, vocês escolhem) que não tem como dar um final, escrever minha vida e o porque que ela acabou é algo que não cabe nem no meu coração e nem na minha mente, como eu faria caber no papel? Não se lembrem de quem sou agora, um corpo sem alma, uma pele pálida e olheiras nos olhos, corpo mais magro que o normal; se lembre da pessoa da pele morena que reclamava do cabelo, da que dançava sozinha na carteira com o fone de ouvido, da que da aquela mordidinha no lábio toda vez que sorri, daquela pessoa sensível e que se amolece por qualquer palavra de carinho, se lembrem daquela pessoa que preferia ver o bem em todos até quando não demonstravam que tinham, se lembrem da pessoa que pedia um livro sempre que possível e da pessoa que adorava fazer surpresa e presentinhos únicos. Não se lembrem no corpo, se lembrem das fotografias, dos vídeos, e principalmente dos momentos. Eu estou bem agora, então vocês também terão que ficar. Perdão, a todos, a mim.

Aos que estão sofrendo pela minha partida,
Julia Antenucci.

Minhas lágrimas em letrasWhere stories live. Discover now