3. A Capela

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No dia seguinte, seguindo ordens de minha mãe, ou fingindo que estava fazendo isso só porque ela mandou, quando na verdade era o que eu queria, levei Arnaud para conhecer a ilha, ou pelo menos parte dela

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No dia seguinte, seguindo ordens de minha mãe, ou fingindo que estava fazendo isso só porque ela mandou, quando na verdade era o que eu queria, levei Arnaud para conhecer a ilha, ou pelo menos parte dela.

Iríamos às partes habitadas, pois, como éramos apenas nós dois, seria esquisito, ou até mesmo perigoso, irmos nas áreas mais inóspitas da ilha sozinhos. Meu pai estava indo no centro da cidade, então nos deu carona até lá, em sua caminhonete. Fomos na parte de trás, sob o sol, o cabelo de Arnaud agitando-se ao vento e seus olhos escondidos atrás dos óculos escuros avermelhados. Ele olhava a paisagem, calado, com um esboço de sorriso na boca. Eu olhava para ele, quando ele não estava olhando para mim, querendo ver suas expressões ao admirar nossa paisagem, vendo as plantações de coqueiros, os bosques, as mansões das celebridades, as casinhas brancas com janelas azuis que estampavam cartões postais.

Passamos pela entrada da casa de Rebeca, uma amiga, até pensei em chamá-la para ir conosco, ela havia acabado de chegar de viagem e eu ainda não a tinha visto. Mas eu poderia vê-la depois, mais tarde ou no dia seguinte. Naquela manhã eu queria ficar sozinho com Arnaud.

Meu pai nos deixou em frente à loja do pai de Elisa, onde Arnaud alugou uma bicicleta. Por sorte, Elisa não estava lá, pois, por alguma razão, sentia-me constrangido em ter que apresentá-la a Arnaud, ou apresentá-lo a ela. Seguimos pelas ruas estreitas do centro, ruas tão estreitas que o sol não nos alcançava, com seus paralelepípedos escorregadios que brilhavam à noite, refletindo a luz amarelada dos postes públicos, empurrando nossas bicicletas por debaixo de sacadas e marquises antigas, as casas brancas, amarelas e azuis, as roseiras que subiam pelas janelas e o constante cheiro de sal e mar.

Paramos em uma ou duas lojas de artesanato, coisas sem graça, que se encontravam em qualquer outro lugar do mundo, chaveirinhos de coqueiro, de prancha de surf, muito embora ninguém ali na ilha surfasse, já que não tínhamos grandes ondas, garrafinhas com esculturas de areia, barquinhos dentro de garrafas. Passamos por uma pequena livraria, a única da nossa cidade, e Arnaud parou em frente, observando a vitrine.

– Não vale a pena, só vendem porcaria aqui. As livrarias boas ficam na Ilha Grande – falei, enquanto ele percorria com os olhos as capas de livros com conteúdo duvidoso.

Passamos ao lado da marina, mais barcos chegando e atracando, marinheiros saindo de seus veleiros, velas sendo içadas e outras guardadas. Passei um olhar rápido procurando o barco dele, numa desculpa para perguntar o que significava Sotaford, mas não encontrei, havia barcos demais. A marina era um de meus lugares favoritos da cidade, bem ali no centro, com os barcos que chegavam pelo canal estreito, abrindo espaço entre os prédios antigos e trazendo um pedacinho do mar para dentro da ilha. Era barulhento e movimentado, o chão escorregadio, marinheiros subindo e descendo, gritando ordens e sei lá mais o quê, com suas línguas estranhas e jargões, pescadores oferecendo seus produtos frescos e gente anunciando, aos berros, vagas em albergues. Ao redor, restaurantes baratos, o cheiro de peixe frito se misturando ao do peixe fresco, e pássaros que se acumulavam ao redor, numa algazarra a procura de comida fácil.

Ilhados - [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now