Ela cuspiu a espuma esverdeada na pia. Arg, aquilo ardia! Passou água na boca e lavou as cerdas da escova de dentes antes de guardá-la.
Sentiu algo gelado na sola dos pés. Olhando para baixo, viu os pezinhos brancos se envolvendo numa poça que se formava no chão do banheiro. Agachou-se defronte à pia e viu as gotas caindo do encanamento. Apoiou-se numa parte do cano para enxergar melhor e sentiu o ferro se deslocar um pouco. Apertou mais a válvula e se apoiou novamente. Nenhum movimento. É, aquilo devia bastar.
Enxugou o chão com o tapete azul e secou os pés com sua toalha cinza.
Após arrumar o cabelo escuro no coque de sempre, saiu do banheiro. A porta bateu e sentiu-se a vagar num mundo que se alterara demais desde sua última visita a ele.
Os pés descalços deslizaram pelo piso de madeira falsa sem fazer barulho algum. Desceu as escadas com a delicadeza de uma raposa. Ouvia o burburinho vindo de uma sala de jantar não muito distante.
Através da janelinha embaçada da porta fechada, a luz fantasmagórica da tarde nublada iluminava o hall, filtrada pelas gotas de chuva que escorriam lá fora.
Uma planta tristonha num vaso decorava o lugar juntamente à cômoda que dava lugar a uma bandeja com três copos de vidro e uma jarra d'água. As folhas compridas e secas suplicavam por um único gole de água.
Alley foi até a cômoda e encheu um dos copos até a borda. Ajoelhou-se defronte ao vaso.
Não.
Se levantou e devolveu a água à jarra.
Não. Aquilo não pertencia ao seu mundo. Não deveria interferir em nada por ali.
Entrou no corredor da direita. Era frio. Mas não; ela não possuía a regalia de julgá-lo desagradável, então apenas passou. Quieta. Olhando para baixo.
- Adolescentes bêbadas aparecem em estradas todos os dias. Não precisa ligar para a delegacia - ouviu a Sra. Chermont.
- Ela não me parece uma adolescente bêbada. Pode ter passado por coisas ruins, ou pode ter feito coisas ruins. Pessoas normais não aparecem em beiras de estrada - escutou uma segunda voz que parecia pertencer ao Sr. Chermont.
Alley terminou de percorrer o corredor e chegou à sala de jantar.
Era um ambiente incrivelmente agradável, ainda mais comparado ao corredor frio que havia acabado de percorrer.
A mesa de jantar de bordas arredondadas ocupava o centro do cômodo. Oito cadeiras a rodeavam. A cristaleira exibia lindas taças e copos de vidro. As travessas dispostas à mesa eram bem servidas com grande variedade. A sala em si parecia emanar um calor próprio.
A conversa cessou.
A passos largos, Alley andou até um dos assentos desocupados e se sentou.
O silêncio pesou sobre a sala.
Ela não pertencia àquele lugar e, pela primeira vez, todos pareceram saber disso.
O baque metálico soou pelo aposento e pareceu ecoar em cada cantinho da sala quando a menina de sete anos deixou a faca com a qual brincava cair no prato.
- Posso lhe servir, Alleyke? - a Sra. Chermont perguntou.
Alley demorou um pouco para responder, atordoada por todas as cores que reluziam dos pratos já servidos.
- Ah, sim. Sim, por favor.
A Sra. Chermont levantou-se e perguntou o que ela iria querer. Soltou o nome de todas as coisas servidas ali. Mas Alley já se sentia meio zonza ao nome do terceiro prato e pediu o único do qual se lembrava: sopa de beterraba.
- Está tudo bem? - perguntou após pôr o prato à frente dela.
Alley levantou a cabeça com os olhos meio confusos até perceber que passava as mãos na nuca e na testa com frequência. Estava suando. As crianças lançavam olhares curiosos e preocupados a ela.
- Sim, estou. Obrigada.
- Posso cuidar disso depois do almoço - apontou para o braço de Alley, voltando ao seu assento.
Controlou-se para não olhar o braço até todos se distraírem com os próprios pratos.
Ah, um belo rasgo de algum galho ranzinza. Como não havia visto aquilo? Suas costas também doíam; sem dúvidas tinha ganhado uns hematomas ao bater as costas nas pedras no fundo do lago.
Deu um suspiro baixinho.
Mergulhou a colher na sopa e a tomou.
Ela odiava sopa de beterraba.
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O Lago de Alleyke
FantasyAlleyke vive em um mundo paralelo ao nosso, no Lago de Alleyke; uma cópia exata do Lago de Ekyella, em Leeds, na Inglaterra. Tudo estava bem até que precisa embarcar em uma jornada pelo nosso mundo em busca de um diário onde estão contidas informaçõ...