Onze

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Sigo pelo corredor principal do Albuquerque. Os fones ajudam a me sentir em outro plano enquanto vejo alunos vaguear de um lado a outro e se tornarem figurantes desinteressantes, parte de um clipe musical que crio simultaneamente em minha mente enquanto ando. Ultrapasso o armário de Anita e por um segundo a ideia de aguardar sua chegada passa pela minha mente, mas me causa calafrios a imagem da sua figura hostil; encará-la de manhã cedo talvez não me faça bem. Não quero ter que inventar alguma mentira para explicar o motivo de não ter ido ao parque com eles. Estou cansado de mentir e omitir; de ter que enganá-la.

Danilo está entretido em seu celular, prostrado em frente ao meu armário. Provavelmente me espera e, sem escolha, aproximo-me calado. Encaro-o e ele se afasta para que eu possa manusear o cadeado. Constato o que de fato já sabia: o armário continua emperrado. Suspiro, desanimado, e me afasto. Sigo mesmo assim para a primeira aula.

Danilo me acompanha falando sobre algo, mas não consigo compreender. Seus lábios se movem rapidamente, então — com uma certa dose de culpa — arranco os fones para poder ouvir o que ele tanto diz.

— Eu não estava ouvindo, pode repetir? — digo ao notar que ele ainda aguarda uma resposta.

— Estava falando sobre você estar tendo problemas com esse seu armário desde que entramos no ensino médio — diz um pouco atrás de mim.

— Já até cansei de brigar por isso.

— Então solicite um novo armário, cara.

— Você acha que a srta. Patel vai mesmo querer fazer essa caridade? Logo pra mim: a criatura mais azarada do universo? Nem que eu nascesse umas 15 vezes e na última viesse com essa sua carinha linda.

Ele não replica, acompanhando-me até o outro bloco onde teremos aula de Sociologia.

— Sei que está querendo saber porque não fui ao parque ontem — admito. — Eu li as dezenas de mensagens de todos vocês assim que acordei.

— Na verdade eu não me importo. Você sabe que nunca gostei dessa pressão que Anita e Elena nos envolve. Para ser sincero eu só estou preocupado com você — cesso a caminhada, curioso, e ele continua: — Nem nos falamos muito esse ano e... sinto sua falta. Tenho notado que você está meio desligado e fico pensando que não estou sendo o mesmo amigo de sempre, sabe?

— Você é meu melhor amigo. — Dou um sorriso enfático. — Sempre vai ser.

Danilo sorri de igual forma, mas logo desvia o olhar, mordiscando os lábios inferiores.

— Sua mãe esteve lá em casa esse final de semana.

— Por ser meu melhor amigo, você, mais que ninguém, deveria saber que não me importo com isso. Vamos mudar de assunto?

— Ela passou algumas horas conversando com a minha mãe — ignora-me. — Acho que sente sua falta. Sei que ela errou pra caramba... e te entendo. Te entendo completamente, mas acho que você deveria dar uma chance e pelo menos ouvi-la.

— Eu estou cansado! — exclamo. — Juro que estou cansado. As pessoas acham que só por ela ser minha mãe, tenho que enaltecê-la e que preciso agir como um cachorrinho. Depois de tudo o que ela me fez passar eu não consigo fazer isso, não consigo ouvir a voz de vítima dela, sabendo que ela é uma vaca sociopata.

— Você nem sabe o que aconteceu de verdade! Pelo que disse, só notou que a discussão era pra valer quando seu pai resolveu se jogar do carro em movimento...

— Meu pai fez isso porque ela conseguiu atingi-lo — antes de Danilo concluir o que estava dizendo, volto a caminhar. — Você não a conhece. Ela é controladora, fica martelando coisas fúteis e sem importância na minha cabeça. De repente, quando percebo, essas coisas passam a ser o maior problema do mundo, apenas porque ela quer que sejam.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora