Capítulo 11

483 77 26
                                    

Estela

Após ter concluído a etapa das compras, voltamos para casa. E, antes do meio-dia, Isabel me ligou duas vezes para perguntar sobre o paradeiro de alguns materiais da floricultura. Por volta de duas  da tarde, Leonardo me pediu para que eu o deixasse na casa de uma amiga. Segundo ele, precisavam finalizar um trabalho de português.

Ao atender o pedido do meu irmão, fiquei sozinha novamente. Talvez não tão só, pois agora tinha Sancho e Quixote como companhia. Por falar neles, em algum momento me aproximei da gaiola na intenção de vê-los de perto. Eram tão grandes e gorduchos que eu desejei segurá-los, mas não o fiz. O medo de ser mordida por um deles foi mais forte.

Entediada, resolvi me ocupar com alguma coisa. Então, como a despensa estava cheia, decidi que faria um bolo de milho. Fui à cozinha, separei os ingredientes e segui a receita da tia Selma. Para mim, assar bolo funcionava como uma terapia. Era algo que me tirava o estresse, que me deixava mais leve. Algumas pessoas cantam durante o banho, eu faço isso enquanto preparo a massa.

Gosto tanto de bolos que quase abri uma confeitaria no lugar da floricultura. O que me fez desistir da ideia foi o valor do investimento. Eu tinha uma quantia separada, mas precisei fazer um empréstimo para cobrir a maior parte. Sim, eu poderia ter esperado mais algum tempo para empreender. Porém, a culpa em ter desistido da faculdade estava me matando. Cansada, eu não pretendia passar mais um dia sequer vendendo perfumes de uma empresa que eu detestava.

Às quatro horas, Leonardo voltou. Ele havia me dito para buscá-lo às cinco. No entanto, pegou carona com a uma das gêmeas que morava numa rua próxima à minha.

— Tu gosta de bolo? — perguntei, observando-o trocar a água dos porquinhos.

— E tem quem não goste? — encarou-me como se estivesse surpreso.

— Ué, acho que sim... — pausei. — Eu não gosto de pudim, por exemplo.

— Quê?! Como assim não gosta de pudim? — fechou a porta da gaiola e virou-se de vez para mim. — Que tipo de pessoa tu é?

— Sensata?

— Tá mais pra... é — coçou a lateral da cabeça... — Esqueci como se diz.

— Que bom, porque tenho até medo do que poderia ser.

— Contrariadora! — apontou para mim.

— Pois fique sabendo que a contrariadora aqui... Vem cá, essa palavra existe mesmo ou tu acabou de inventar?

— É claro que existe! Posso até te mostrar no dicionário. Quer ver?

— De qualquer forma, eu não deveria te dizer que tem bolo de milho lá na mesa da cozinha e que...

Naquele instante, Leonardo nem me esperou completar a frase, disparou em direção à cozinha. Porém, antes que chegasse lá, eu o adverti em voz alta:

— Não se esqueça de lavar as mãos, tu tava mexendo nos teus ratos!

Assim que entrou no banheiro, ouvi o eco da voz dele retrucar:

— Já disse que não são ratos! São porquinhos da índia.

Eu nunca tive alguém para implicar, também não fazia ideia de como era conviver com um irmão. Então, de certa forma, sentia-me tentada a cutucá-lo de algum modo. E passei a fazer isso chamando os porquinhos de ratos. Talvez fosse infantilidade da minha parte, mas não havia maldade, era algo que me deixava mais à vontade, que me conectava a ele.

Enquanto Leonardo terminava o lanche, eu tomava coragem para ir à casa do meu pai, com quem não falava há tempos. Gostava bastante do meu irmão, mas entendia que eu não era a mãe dele, e que ele não poderia ficar ali comigo para sempre. Apesar do meu jeito explosivo, pretendia resolver tudo numa conversa amigável, mas sabia que as chances eram mínimas. Independentemente do tom de voz, a minha intenção era dizer poucas e boas para o velho Manoel e a esposa dele.

Entre Bodes e Flores Onde as histórias ganham vida. Descobre agora