Capítulo 9

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Estela

Tenho 1,63m de altura. E da última vez em que havia visto o Leonardo, ele era menor do que eu. Agora, para alcançá-lo eu tinha que ficar na ponta dos pés. Sua voz havia mudado, assim como a forma de se expressar. Usando aparelho nos dentes, vestia uma camisa preta e folgada, com listras brancas nas laterais. Seu cabelo ondulado estava penteado de uma forma diferente. O corte mais baixo, quase raspado, deu lugar ao topete posicionado para a esquerda.

Assim que entramos, falei para o meu irmão se acomodar no sofá. Enquanto isso, fui buscar água na cozinha. Abri a geladeira, peguei a jarra e os copos. Bebi ali mesmo, mas acrescentei açúcar na água dele — era o que mamãe faria se estivesse em casa. Quando voltei, entreguei-lhe o copo cheio. Porém, assim que experimentou o líquido, fez uma cara esquisita e colocou o objeto sobre a mesinha de plástico à nossa frente.

— O que tu botou nessa água? — perguntou, esfregando o dorso da mão sobre a boca. — Isso é remédio?

— É apenas açúcar. Beba! Serve pra acalmar os nervos.

Olhando-me de lado, ele abaixou a mão trêmula para pegar o objeto de volta. Em seguida, bebeu mais um pouco.

— E desde quando tu tá fora de casa? — perguntei, esticando-me para pegar uma almofada enquanto me sentava ao lado dele.

Apoiando o cotovelo contra o braço do sofá, ele respirou fundo, dizendo:

— Tudo aconteceu no final da tarde. Foi assim que cheguei da escola — olhou para o lado, como se visualizasse as cenas. — Ele quebrou todos os meus cd's e rasgou os pôsteres que eu tinha grudado na parede do quarto. Disse que aquilo era coisa de bicha, que nunca aceitaria alguém assim na família dele. Como eu já estava cansado de tantas piadas e de ser investigado vinte e quatro horas por dia, respondi com sinceridade à pergunta que me fez.

— E como a tua mãe reagiu? Ela não te defendeu?

— Entrou na frente dele quando tentou me enforcar. Falou que...

— Peraí! Como é a história?! — interrompi, abismada com a situação.

Naquele instante, ele abaixou a gola da camisa e apontou para as marcas vermelhas nas laterais do pescoço. Ao visualizá-las, levantei e não consegui me segurar. Passando a mão sobre o rosto, virei de um lado para o outro, mas não me contive. As lágrimas desceram.

— Ela disse que eu deveria obedecê-lo, porque fiz por onde — continuou, entre uma pausa e outra. — Falou para eu te procurar e pedir para ficar aqui por um tempo... Eu sei que ela o ama, mas achei que ficaria ao meu lado, que me protegeria. Talvez essa seja a pior parte de tudo. É o que dói mais, sabe? Mas me sinto muito burro, porque já deveria saber que ela nunca iria passar por cima das palavras dele.

— Quanto mais o tempo passa, mais fico chocada com as pessoas. Ele é um homem feito, alguém que a qualquer momento pode deixar a tua mãe por uma mulher mais nova, assim como fez com a minha. Sem ofensas, viu? E, no final de tudo, vai acabar restando só tu e ela.

Ofegante, eu andava de um lado para o outro, pensando na melhor forma de resolver aquele problema, que, de certa forma, também era meu. Enquanto a solução não aparecia, insisti em questioná-lo:

— E ontem tu tava mesmo na casa de uma amiga?

— Sim, da Natália, contei pra ela o que aconteceu. Aí ela inventou uma desculpa pra eu dormir lá, disse pros pais que eu iria pra um sítio cedinho da manhã, e que o carro sairia de um local próximo à casa deles. Tivemos um pouco de dificuldade pra pensar em algo, por causa dos porquinhos e tal.

No instante em que falou dos porquinhos, olhei para eles e vi o quão gorduchos e peludos eram. Um deles tinha a coloração marrom, o outro era branco com amarelo.

Entre Bodes e Flores Onde as histórias ganham vida. Descobre agora