Capítulo 10

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Gael

— O que foi? Que cara de defunto é essa? — perguntou Renata. — Aconteceu alguma coisa?!

— Nada não — guardei o celular no bolso. — É só uns negócios que preciso resolver. Nada que me tire o sossego.

Olhando pelo retrovisor do carro, vi a luz de um farol distante. Então, encostando a cabeça contra o vidro da janela, lembrei-me de algumas cenas avulsas e embaçadas. Numa delas, eu falava para Sofia que chegaria em casa antes das seis. Na outra, o pai dela se aproximava de mim; estava prestes a socar o meu rosto. A terceira foi do momento em que me resgataram, enquanto caminhava bêbado pela BR.

— Gael! Ficou surdo, foi? — Renata chacoalhou o meu braço, obrigando-me a olhar para ela. — Vai ficar de palhaçada comigo?

— Perdão! — pus a mão sobre a maçaneta e vi que estávamos parados em frente à minha casa. — Pode repetir o que disse antes de me chacoalhar?

— Esquece, ok?! — respirou fundo, pigarreando. — Odeio quando tu faz isso comigo. Parece que vive no mundo da lua!

Em silêncio, tirei a mochila do colo, abri a porta do carro e pus o pé para fora. Porém, antes de sair, Renata continuou a falar:

— Vem cá! Tu não abandonou a terapia, não é?

— Claro que não! — retruquei, saindo e fechando a porta. — Obrigado pela carona!

— Ei! — gritou ela, quando me distanciei do veículo. — Essa capa é pra mim? — ergueu o objeto.

Feliz da vida, pus a mão sobre a nuca e voltei para pegar a capa, que pretendia devolver um dia. Eu estava tão cansado que as minhas pernas não paravam de tremer.

— Obrigado, Agente R.

— De nada, Gael do Bode — respondeu, surpreendendo-me.

— Oxe! Até tu conhece esse apelido? Achei que fosse algo restrito do bairro.

— E quem não, meu bem?

Inclinando-me, encostei o antebraço contra a janela do carro e sussurrei:

— Aposto como tu senta na porta de casa só pra falar da vida alheia.

— Não nego — desdenhou, amarrando o cabelo. — Mas pelo menos eu não moro com um bode.

Mesmo ciente de que ela estava brincando, não consegui respondê-la. Outra vez, afastei-me do carro e caminhei rumo à porta de casa. Entretanto, no meio do caminho, enfiei o pé numa poça de lama e por pouco não escorreguei para trás. Tentando controlar a raiva, contei de um até dez, mas não foi o suficiente. Estendi a contagem para cinquenta e cinco.

Como sempre fazia, Renata só foi embora quando me viu entrar. Naquela época, achava um exagero da parte dela, mas hoje eu a agradeceria pela atenção.

Na sala, assim que retirei o tênis e acendi a luz, percebi que a parte superior do aparelho de som estava molhada. Ao olhar para cima, observei que uma das telhas havia cedido, deixando um pequeno buraco sobre o teto.

Exausto, peguei uma camiseta velha e passei sobre o local molhado, enxugando-o. Liguei e desliguei o aparelho para ver se a água o havia danificado, mas nada tinha mudado. Minutos depois, fui para o banho e, ao terminá-lo, fiquei na cozinha. Eu não costumava jantar, mas nunca dormia de estômago vazio. Dava preferência a alimentos mais leves. Sempre foi assim, mesmo enquanto morava com os meus pais.

Após o banho, abri minha caixinha de remédios e peguei o comprimido que usava para combater a insônia. O ideal seria que eu o tomasse às vinte e três horas, mas, naquela noite, esqueci de ingeri-lo no horário estipulado.

Entre Bodes e Flores Onde as histórias ganham vida. Descobre agora