O Ansioso

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Letras e mais letras, números, termos, a pilha de livros à sua frente parecia que nunca iria cessar, já não entrava mais uma equação em seu cérebro. Tudo o que conseguia pensar é que fora incapaz, não passou de primeira em medicina e tem quase total certeza de que não passaria de segunda, e mesmo que haja uma possibilidade mínima de passar, sente que é incapaz de exercer tal.

Como aprovariam um jovem que reprovou na primeira vez? Como aprovar um jovem cheio de incertezas e inseguranças?

No momento em que soube que não foi aprovado na primeira tentativa, naquele primeiro vestibular que prestou, sentiu-se derrotado. A cobrança de seus pais aumentou, sabia que eles parariam de pagar o cursinho, teria de arranjar um emprego, o que não se importaria, mas ainda assim sua família o lembraria todos os dias que não estudou o suficiente para passar.

O problema todo é que não parava de pensar em seu futuro fracasso, então mesmo que passasse desta vez, começaria a estudar medicina, mas totalmente sem confiança em si, pensa que poderia matar seus futuros pacientes, não deixando de dizer que é incapaz a si e imaginando que começaria a ouvir de outros. A ansiedade tomava conta de si, passou os últimos anos pensando nisso, já era ansioso por natureza, e neste momento ficou ainda mais. Não conseguia derrotar seus demônios com apenas uma noite para o vestibular, ao invés de pegar seus livros para ler e prestar total atenção neles, manter o foco, fazer pesquisas, se inteirar por assuntos da medicina, pois realmente, com a cabeça cheia, não passaria, não seria o profissional que antes queria ser, o medo de fracassar o dominou.

Sua mente se perdera, sua segurança acabou, sua esperança se esgotou.

Queria ligar para um amigo para que saísse e distraísse sua mente, mas todos seus amigos já estavam dormindo, pois acordavam cedo para ir à faculdade.

Respirou fundo e voltou a olhar o livro.

"O que eu estou fazendo da minha vida?" Se perguntava. Parecia que não tinha uma vida, que tudo se voltava àquele momento, não fazia outra coisa a não ser pensar no futuro e o quanto era incapaz.

Uma gota de lágrima caiu no livro. Seu coração palpitava rapidamente, a ansiedade tomava conta de si. Levantou-se da cadeira, pegou seu cobertor e caminhou para a pequena sacada de seu apartamento.

Não era uma vista bonita, morava no sexto andar, mas de frente havia um prédio mais alto, barrando a vista da cidade, ainda assim podia sentir a brisa de inverno tocando seu rosto.

Envolvido no cobertor, esperava cair no sono. Até que sentiu um forte cheiro de perfume, reconheceu por ser a velha colônia de seu pai.

Intrigado deixou o cobertor na sacada e seguiu o cheiro, encontrou seu pai bem vestido, segurando uma mala e abrindo a porta.

"Onde você vai?" Perguntou o garoto.

Com um pulo o pai se virou ao garoto e gaguejando respondeu:

"Viagem a negócios".

"Pai, você não tem negócios".

"São três horas da manhã, filho, deveria estar na cama e não fazendo perguntas, você não tinha um vestibular amanhã?".

"Eu te digo o mesmo! Você devia estar na cama com a minha mãe, não parado em frente a porta, e não vamos falar de vestibular agora!".

"Por que está gritando? Vai acordar sua mãe" diz o pai em tom baixo.

"Não vou parar de gritar até me contar o que está acontecendo".

"Conta para ele" disse a mãe.

"Querida..." Começou o pai, o que deixou o filho ainda mais intrigado.

"Não sabia que além de tudo o que fez ainda é capaz de fugir".

"O que ele fez?" Perguntou o garoto sem entender muito.

"Não devo satisfação para você." disse o pai "Agora o garoto quer saber das coisas! Todo ingênuo, pensando que vai passar nessa porcaria de vestibular, mas você não tem nem capacidade para entender o que acontece nessa casa!"

"Não fala assim dele".

"E precisa da mãe para se defender! Olha, é por isso que estou saindo dessa casa, ninguém dá valor para ninguém".

"Do que você está falando?" Disse a mãe "Enlouqueceu? Deixa o nosso filho em paz, ele não tem nada relacionado com sua infidelidade e o fato de estar estressado".

"Eu? Diga você também! Eu te traí sim, mulher, mas você que começou anos atrás! Eu sei que ele não é meu filho! E você escondendo isso de mim... Descobri tudo! Como teve coragem de esconder não só de mim, mas do seu filho?!".

"Isso é verdade, mãe?".

A mulher ficou calada, virou-se e voltou para o quarto, o pai, simplesmente voltou à porta e saiu.

Foi então que o garoto se viu sozinho e tudo entendeu. As lágrimas que antes escorriam por se achar incapaz, agora escorrem pela sua história mal contada. Se viu perdido, sabia que tinha um futuro incerto, mas depois do que ouviu, tem um passado incerto também. Sua vida parecia não fazer mais sentido, a razão das coisas acabou.

Parou de pensar no vestibular que faria em algumas horas, e só pensava o quanto não fazia parte da vida que ele tinha, não fazia diferença, não sabia mais quem era ou o que queria ser.

Escutava sua mãe chorar em seu quarto, mas o som do seu coração palpitando era maior, imaginava que iria sair pela boca, foi à sacada e gritou, chorou, escutou os vizinhos reclamarem do barulho, e nada disso lhe importava mais.

Que diferença faria não gritar? Que diferença faria se não estivesse lá?

Levado pela ansiedade se debatia, sentiu uma dor que jamais sentiu, não via razão, não via mais uma esperança. Estava tendo mais um ataque.

Com o coração que palpitava rapidamente, uma loucura passou pela cabeça, queria se jogar da sacada, se debater, acabar com todas as coisas ruins e preocupações.

Foi então que desistiu de tudo.

DesolaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora