Maria L, a Renegada

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  ISABELLE ORSINI

Passar a manhã servindo café era uma parte agradável do meu dia. Eu gostava da atenção que proporcionava aos clientes assim como os sorrisos de gentileza. Por mais efêmero que pudesse soar, apreciava a forma como era reconhecida ou agraciada por desconhecidos.

Não imaginava que eu fosse tão simples ao final de tudo. Sorri sem perceber ao escutar o barulho que indicava um novo cliente, contudo logo senti o meu sorriso desaparecer. O novo cliente era um dos homens que vi na última noite, no jantar. Abaixar a cabeça não funcionaria, percebi assim que ele sorriu perverso em minha direção.

Por algum estranho motivo, escutei seus passos em minha direção cada vez mais alto e assustador. Eu deveria estar tremendo, pois não demorou para sentir a mão da dona em meu ombro. Ela me olhava com preocupação.

— Eu estou bem – Menti como aprendi a fazer durante anos. Olhei para o homem tentando encará-lo o mais firme que eu consegui. Eu não seria morta. Essa era a minha única certeza. – Boa tarde, qual o seu pedido? – Perguntei friamente assim que a dona se afastou.

— Te matar seria uma opção, se Dimitri não houvesse a levado – Admitiu sem hesitar. Observei o homem de cabelos castanhos, feições magras repletas de olheiras e um corpo delgado. Não importasse como o olhasse, ele era desagradável e assustador. – Por sua causa, as mulheres podem querer se rebelar, sabia? A morte deveria ser o único destino de renegadas como você.

Sim, uma renegada era uma mulher que se desviava dos ensinamentos de Deus, fugia de seu senhor, e virava as costas para todos incluindo a sua família.

Uma renegada deveria ser morta para servir de exemplo para as outras mulheres. Tinha consciência ao fugir nas duas vezes.

— Se não veio pedir algo, sugiro que saia – Falei séria ao manter o meu olhar fixo em sua face. Saber que Dimitri estava ao meu lado me tornava mais corajosa do que imaginei. – Não é meu senhor e muito menos alguém importante na religião para falar comigo desta forma.

— Uma renegada não tem importância – Suas palavras denotavam o desprezo que sentia por mim – O Petrovis deve estar lhe usando. Nenhum homem a aceitaria de volta.

Sim, nenhum me aceitaria se soubesse a verdade. A verdade que eu havia sido suja.

— E espera algo vindo até aqui? Imagino que Dimitri Petrovis não saiba sobre sua coragem em vir até mim. – Tentei não sorrir assim que o vi empalidecer. O nome Petrovis deveria ser realmente assustador, ou Dimitri seria responsável pelo medo em seus olhos?

— Sim, é seu direito contar a ele que vim aqui – Seu olhar vagou pela cafeteria vagarosamente, provavelmente pensando em como continuar a partir daquele ponto. Insultar uma mulher pertencente a outro homem era algo semelhante a um crime nessa religião. Ele deveria estar com medo de que eu contasse algo, e mesmo que eu falasse ou inventasse algo, a minha palavra iria prevalecer para Dimitri, já que ele não teria provas das minhas mentiras. Eu poderia destruí-lo. – Mas é meu direito como homem lhe dizer que deveria estar morta. Eu posso fazer isso, e prometo que não sentirá dor.

— Irei lhe dar duas opções – Falei séria sem desviar o olhar – Saia desta cafeteria e não ouse olhar para mim novamente ou eu contarei tudo a Dimitri, e como sabe será a minha palavra contra a sua. Posso começar a gritar aqui agora dizendo que está me ameaçando e mais tarde aparecer com machucados em meu corpo. – Sorri perversa ao passar a mão pelos meus cabelos, os quais estavam soltos – Qual escolherá?

Vi o seu olhar de confusão e não me importei. Eu precisava continuar parecendo ser forte até ele virar de costas. Minhas pernas continuavam tremulas assim como minhas mãos. Encarei a sua face e enxerguei a completa indecisão.

Império [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora