Adeus, Maria L

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SETE ANOS DEPOIS...

Isabelle Orsini

O cheiro do cafe impregnou minhas narinas como todas as manhãs assim que entrei na cafeteria. Na entrada, sou tomada pela meu reflexo no espelho e sem conseguir evitar toquei meus cabelos ruivos com raiva. Sempre tenho um sentimento controverso contra o meu próprio reflexo após tanto tempo. Passei minha infância e adolescência restringida quanto a me olhar no espelho. Por muito tempo pensei que a cor dos meus cabelos representasse uma característica ruim que eu deveria extinguir. Meus cabelos sempre são mantidos presos, já que evito chamar a atenção desnecessária.

Chamar a atenção nunca resultou em algo benéfico, isso aprendi nos primeiros anos após a minha fuga.

Maria L não mais existia.

Uma careta se formou em meu rosto, eu conseguia senti-la ao desviar o olhar do espelho. Tentei sorrir como fazia todas as manhãs para a dona da cafeteria que havia me aceitado mesmo que eu não tivesse entregado nenhum documento que atestasse o meu nome ou a minha identidade. Todos os meus pagamentos eram feitos em dinheiro ao final de cada semana. Aquela senhora me salvara.

— Bom dia – A saudei sorrindo como sempre fazia. Por mais que eu odiasse as pessoas, eu gostava dela. Ela sempre havia sido gentil com todos que a procurassem – O café parece ainda mais gostoso do que ontem – O mesmo comentário sempre a fazia sorrir e por mais falso que pudesse ser, eu gostava de vê-la sorrir.

— Querida, devo fazer para você? – Sorri concordando. O gosto do café era sempre amargo e ligeiramente forte, não importasse a quantidade de açúcar disponível ou leite. Sempre sentia o mesmo sabor.

Talvez eu estivesse quebrada de alguma forma.

A observei preparar o café com atenção e curiosidade, não demorando para ela me estender uma xicara. A peguei sempre sorrindo – algo que sempre fazia em sua presença – e tomei o café.

O mesmo gosto de sempre.

— Está delicioso – Agradeci com a voz baixa. Alguns hábitos são difíceis de mudar, percebi isso. – Vou começar a arrumar tudo – A vi concordar e ir para os fundos me dando privacidade para limpar algumas mesas antes de abrir. A cafeteria ficava situada em uma área mais afastada do centro da cidade, algo que eu gostava por me dar mais liberdade e menos pessoas para precisar observar.

O problema em ser fugitiva é a paranoia. A todo momento penso que estou sendo seguida ou vigiada.

Não que eu seja louca, talvez paranoica, mas uma vez li que toda paranoia é um simbolismo da loucura. Se eu for louca, não será algo ruim, já que isso poderá impedi-los me caçar.

— Querida, está na hora de abrir – A voz agradável dela me fez assentir ao ir para a porta, destrancando-a e colocando o aviso de aberto. Segui para o caixa, onde continuo até os clientes aparecerem com seus pedidos. As horas se tornam longas quando não há o que fazer. Suspiro ao me lembrar que esqueci de pegar o livro que comecei a ler na última semana. Um livro sobre um policial que caçava um assassino. – Está tudo bem?

— Sim. O movimento esta fraco hoje – Digo sorrindo polidamente como devo fazer. Regras sempre existem a diferença é o que fazemos com elas. Do local onde escapei as regras existem para fazer com que as mulheres sofram e fora de lá as regras existem para manter todos em uma convivência amigável.

— Já trabalha comigo tem um ano e não sei quando é seu aniversario. Já passou? – A estranha pergunta dela me faz dar de ombros. Aniversários não eram celebrados de onde eu vim. Deveria lhe contar isso? Não, ela acharia triste e insistiria para que eu contasse mais sobre mim.

Império [Degustação]Where stories live. Discover now