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Boulder, 2021

Madeira branca, simples, com entalhes tortos. Harry White observou a mão direita em punho batendo suavemente contra ela e imaginou que tudo mudaria quando abrissem aquela porta. Talvez ela deixasse de ser uma porta e virasse a porta. Aquela casa toda, com os graciosos tijolos azuis e o jardim de margaridas, mudaria. As pessoas passariam na calçada e cochichariam a seu respeito, olhariam o conjunto de janelas com pena e tristeza, imaginando o que estaria acontecendo com as pessoas que viviam ali. Estariam em dor? Estariam superando?

Pessoas deixam marcas. Não só em outras pessoas, mas em lugares; onde nasceram, onde morreram, onde viveram... Tudo é importante quando algo ruim acontece. Figuras famosas têm a casa onde passaram a infância transformadas em museus e, quando morrem, memoriais são erguidos, pequenos ou grandes, em qualquer lugar. Mas nem sempre é tão bom ou glorioso. Às vezes, lugares se tornam assombrados, frios, estranhos. Como a casa de tijolos azuis, toda bonita e colorida, que dali para frente seria apenas o lugar onde alguém que foi brutalmente assassinado viveu.

Annelise Parker limpou a garganta, desconfortável com o sol batendo em seu rosto. Preparava-se para o que iriam encontrar quando a porta finalmente abrisse. Sabiam que a pior parte, a mais dolorosa, não sairia com eles quando deixassem aquela casa, mas no momento a marca estava em suas costas.

Um movimento, finalmente. A porta se moveu e Harry deu um passo para trás, buscando ficar ao lado de Annelise. Assim como ela, tinha as duas mãos nos bolsos da calça e uma expressão pesarosa. Tentaram não mudar de postura quando uma mulher de quarenta anos, cabelos castanhos e rosto amigável, sorriu apoiada na porta aperta.

— Posso ajudar?

Deus, como era difícil. Havia uma luz naquela mulher que tanto Harry quanto Annelise viram instantaneamente; uma felicidade, gentileza e feição genuína, do tipo que só se encontra em mães. Aquilo doeu quase fisicamente. Eles perderam a fala por um instante, as bocas secas. Estavam cansados daquilo, de sempre ser igualmente difícil.

— Bom dia. Eu sou o detetive White, e essa é a detetive Parker. Você é Vivian Roberts?

O rosto da mulher ficou sem cor. Ela já sentia, de alguma forma, o que estava por vir.

— Sim, sou eu.

— Podemos conversar com a senhora por alguns minutos? — perguntou Parker, firme de forma quase grosseira. Era isso ou deixar a voz tremer.

Vivian só maneou a cabeça e deu passagem aos dois. Annelise foi primeiro, e então Harry. Eles esperaram que a anfitriã os guiasse para a sala de visitas e sentaram-se no sofá indicado. Era muito claro ali, com quadros de família por toda parte e mais margaridas em vasos de enfeites.

— Eu vou fazer um café para vocês.

Ela saiu rápido, sem esperar respostas. Em qualquer outra situação Annelise faria graça das origens britânicas do parceiro e diria para ele perguntar se havia chá, mas estava totalmente fora do clima naquela manhã, como esperado.

— Da última vez, foi eu — disse Harry de repente. — É a sua vez.

— O quê? Tá maluco? Eu disse na última vez.

— Annelise, eu tomei três copos de uísque antes de sair do hotel. Quer mesmo deixar a tarefa nas minhas mãos?

Com um quase inaudível grunhido de irritação, Parker concordou. No mesmo minuto Harry levantou do sofá e começou a andar pela sala, prestando atenção nos quadros. Até que havia demorado para começar a ficar impaciente e ansioso; geralmente ele nem chegava a se sentar.

Saco de Ossos (CONTINUAÇÃO DE QUEM MATOU SOFIA?)Where stories live. Discover now