P R Ó L O G O

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Londres, 2003.

Enzo West não conseguia entender o detetive Harry White.

O homem era extremamente peculiar. Cheio de energia, novo no cargo e ótimo investigador, não deixava detalhe sequer para trás e parecia levar todos os casos para o lado pessoal. Não se esforçou muito para agradar os novos colegas de equipe quando foi transferido para a Divisão de Homicídios, mas acompanhava o ritmo das investigações melhor que a maioria dos novatos que Enzo conheceu. Era pouco sociável e extremamente indelicado na maior parte do tempo, dizendo e fazendo coisas que fugiam de uma atitude profissional. Parecia o tipico jovem inexperiente e egocêntrico que adota a pose de gênio incompreendido toda vez que alguém se mostra menos brilhante que seu cérebro super-desenvolvido. Enzo conhecia muito bem o tipo.

Na noite em que a terceira vítima do Colecionador foi encontrada, White estava do outro lado da cidade, trabalhando em um caso que havia sido deixado sob sua responsabilidade pelo próprio Enzo. Se Harry ocupasse sua mente com perguntas a respeito de outro mistério, não iria se meter no caso do maluco que deixava sacos de ossos para trás. Obviamente, Enzo estava errado ao pensar aquilo.

Já passava das duas da madrugada quando Harry White parou ao seu lado e acendeu um cigarro. A maior parte dos curiosos havia sido afastada do perímetro, mas para o azar da perícia havia chovido muito durante toda a noite e uma grande poça de água se misturava ao sangue dos restos do corpo da vítima, levando evidências ao bueiro mais próximo. West estava usando a sua capa de chuva transparente enquanto comandava os encarregados de montar a tenda sobre o que muitos poderiam chamar de cadáver, esperando salvar um pouco de sua integridade, quando ouviu White perguntar:

— O que houve com o resto do corpo?

Enzo costumava se surpreender com o fato de sua relativa pouca idade não influenciar a frieza de suas palavras. Harry parecia um experiente detetive de cinquenta anos toda vez que abria a boca; quando fechava, voltava a ser apenas o novato da divisão.

— Você não deveria estar aqui, White. Te coloquei no comando de outro caso.

Harry fez uma careta. Pingos de chuva escorriam pelos seus ombros e desciam por toda a extensão do sobretudo negro que ele usava, o cigarro úmido lutando contra a água.

— Ah, A Garota Desaparecida de Stockwell — disse com certo rancor. — Me deu trabalho, mas já sei o que aconteceu.

Enzo ficou curioso.

— Por que Stockwell? — e antes de haver uma resposta, ele entendeu. — Certo, claro, ela estava em Stockwell. Você fez a prisão?

Harry balançou a cabeça, indicando que não era importante. Enzo pensou em insistir, mas seria inútil. Harry gostava do drama que cercava o decifrar de um enigma. Há menos de duas semanas havia montado uma apresentação de slides com perguntas e eliminatórias feitas para apontar um culpado no meio de uma multidão. Foi uma confusão irreparável que fez Enzo nunca mais duvidar dos limites artísticos de Harry White. West não precisava de outro escândalo como aquele.

Harry e Enzo se acomodaram dentro da tenda, onde estava o corpo. Colocaram as capas higiênicas e as luvas e se abaixaram ao lado dos restos de pele sobre o chão. Havia resquícios vermelho de sangue pincelando o asfalto, fios de cabelo e unhas ao redor do tecido escuro da pele da vítima. No ar, um cheiro realmente desagradável de morte e chuva os deixava enjoados.

— Como alguém é capaz de fazer uma coisa dessas? — perguntou Enzo.

White puxou o pedaço de pele com uma das pinças plásticas fornecidas pela perícia. Ao observar melhor, percebeu que ela havia sido raspada do corpo da vítima exatamente como as cascas das batatas que sua esposa costumava cozinhar para o jantar. 

Saco de Ossos (CONTINUAÇÃO DE QUEM MATOU SOFIA?)Where stories live. Discover now