Parte 1: Branco 16 - A formatura

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A primavera se esvaía e dezembro chegou à soleira do verão com cheiro de chuva morna e o fim do curso colegial. Dia 13 trouxe sorte: quando a última aula do ano se encerrou, o alívio na classe foi geral e os alunos subitamente voltaram à vida. Ainda restava a recuperação para quem precisava melhorar as notas, além do curso pré-vestibular. Mas por ora, por um breve intervalo, ninguém se preocupou com isso. A turma já havia programado uma viagem a Cancun para comemorar, embalada num devaneio ensolarado com balneários de água turquesa e mares de tequila.

Na noite seguinte ao término das aulas, uma sexta-feira, o clube rotariano da escola promovia sua tradicional festa de formatura. Marisa não tinha a menor intenção de participar e fez todo tipo de malabarismos para despistar a mãe.

- O que aconteceu com o longo de tafetá azul? Isso aí que você está usando é tão sem-graça. - A mãe estudou-a com ar de desaprovação e apertou os lábios.

- O longo azul manchou - Marisa desconversou cautelosamente, alisando seu tubinho preto. - Mas este aqui está bom.

Era um modelo simples sem mangas, tecido com fios prateados, que realçava sua figura e as pernas alongadas pelas sandálias de salto. Combinava com o conjunto de gargantilha e brincos de safira que o pai lhe dera em seu último aniversário.

- Não sei, não... - a mãe insistiu num tom azedo. - Preto é uma cor fúnebre... Não me conformo que você estragou o longo azul. Era tão alinhado.

Marisa detestava o vestido azul que a mãe lhe comprara. Mas agora não queria prolongar a conversa ou corria o risco de provocar uma discussão. Quando a mãe estava contrariada, qualquer palavra, mesmo a mais inocente, se transformava numa pata de elefante em um campo minado.

Sob o pretexto de que não queria se atrasar para a sessão de fotos, marcada para as seis e meia, Marisa apanhou a bolsa e se despediu depressa. Iniciou então uma pequena maratona: tomou um táxi, desceu no bufê onde se realizava a festa, marcou presença no álbum de formatura, escapuliu em seguida, enfiou-se em outro táxi, enfiou a peruca e foi encontrar Marco na região dos Jardins.

Ela passou por casarões e prédios de alto padrão, bares e restaurantes que transpiravam uma informalidade perfumada com dinheiro. Desembarcou diante de uma impressionante fachada em forma de arco invertido que parecia flutuar acima do lobby com paredes de vidro. Semelhante a um navio perfilado, revestido com placas de cobre, o hotel era um marco arquitetônico. Esféricas janelas pontilhavam seus seis andares, e a porta de entrada lateral, tão imponente quanto a de uma catedral, abria-se para um saguão de pé-direito altíssimo.

Uma vez no lobby, Marisa teve impressão de cruzar o fundo do mar enquanto passava por móveis de design dispostos como formações de coral na água transparente: chaises longues brancas e pretas se ancoravam em meio à amplidão dos espaços, aqui uma escultura de São Jorge e o Dragão num nicho, ali uma anêmona de flores pintalgadas. O ambiente de leitura era delimitado por uma estante semicircular, poltronas vermelhas com espaldar em leque e um gigantesco pufe azul-marinho que se esparramava como crustáceo adormecido no mármore cor de areia. No alto, a lâmina d'água da cobertura ondulava em reflexos de cristal.

A euforia de Marisa por ver Marco intensificou-se na beleza singular do hotel que, não por acaso, havia sido batizado de Unique. Era estranho encontrar Marco longe do Centro - uma euforia misturada com inquietação. Eles deviam estar seguros, porque o pessoal da escola ficaria na festa de formatura até tarde. Mas e se algum conhecido aparecesse no hotel? (Marisa baixou a cabeça e relanceou o lobby para certificar-se de que não havia nenhum rosto familiar no meio dos executivos, turistas e modelos que circulavam ali.)

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora