Parte 3: Vermelho 11 - Dopamina + feromônio = bobagem

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O tempo desacelerou bruscamente até parar e tudo ao redor dele saiu de foco. Naquele instante congelado no tempo, Marco só tinha olhos para ela. Os sons da música e da multidão emudeceram, o próprio ar se estagnou num vácuo. Em meio ao silêncio que reinava, ele podia ouvir seu próprio coração batendo. Soava em uníssono com o coração dela: alto como um tambor num salão vazio, fora de compasso, as pancadas rápidas emendando no próprio eco.

Talvez isso fosse só imaginação, Marco conjeturou vagamente. Só imaginação. O fantasma dela.

Quis que a miragem desvanecesse. Piscou com força. A miragem persistiu. E então ele teve sede dela. Quis virar as costas e se afastar das lembranças. Agora não era o momento de olhar para trás, sua vida tinha acabado de tomar um novo rumo. Mas seus pés ficaram enraizados no chão. O corpo se recusava a ir embora. Se tivesse um fiapo de bom senso - mas não. Em vez de se fingir que não havia visto Marisa, ele ficou. Ele a olhou. Ele sorriu e nem percebeu.

Alguém atrás de Marco deu uma gargalhada, e Marisa olhou em sua direção. Ela levou a mão à boca para conter uma exclamação de surpresa quando, num lampejo, o tempo e o espaço se comprimiram: os sete meses e o continente que haviam se interposto entre eles viraram pó. Marisa olhou dentro dos olhos de Marco e foi como se os dois nunca tivessem se separado. O sorriso dele continuava igual, aquele sorriso que descortinava primavera...

A ilusão, porém, evaporou-se sob as luzes do clube. Em seu lugar, flores esmaecidas tremeluziram no papel de parede e rosas murchas exalaram bolor. Ela não sabia mais nada da vida de Marco e ele tampouco sabia da sua. Eram praticamente dois estranhos agora. E, assim, fitaram-se no mesmo constrangimento - dois estranhos numa corda bamba.

Marisa o achou mais bonito do que antes. Lawrence da Arábia. O bronzeado lhe ressaltava a herança dos traços e as veias nos braços musculosos. A camiseta cinza de gola em V moldava-lhe o torso e, por baixo dela, entrevia-se o cinto de couro no cós baixo do jeans preto. Ela ficou exasperada com Marco porque ele ainda a abalava. Exasperada consigo mesma porque se deixava abalar.

Até ali, tinha acalentado a esperança de rever Marco um dia, se não para ficarem juntos, ao menos para curar o orgulho. Imaginava a cena, ela linda e acompanhada, irredutível enquanto ele rastejava... Marisa havia repassado a cena ajustando falas com a precisão de uma atriz profissional. Faria fama em sua estreia. Receberia uma salva de palmas.

Puro engano. claro. Certos tremores nunca passam.

Quis articular o nome dele e foi incapaz. Estava sonhando - tinha de ser um sonho. Marco deu dois passos em sua direção e tocou-lhe o braço, como se quisesse certificar-se de que era mesmo de carne e osso. Marisa retraiu-se, sentindo a pele queimar. A cicatriz escura da memória, gravada nas células de seu corpo, rompeu-se e latejou.

Ela virou-se para ele sem soltar a grade de proteção. Suas pernas vacilaram enquanto um sorriso automático lhe assomava nos lábios.

- Marco, que coincidência. O que você está fazendo em São Francisco?

- Fui num congresso em Los Angeles e aproveitei para passar aqui. Vou embora na quarta. - Hesitação. Sua incredulidade persistia. - E você?

A voz dele, antes tão familiar, era agora uma lacuna - sete meses e ainda a distância de um continente. Marisa mencionou o curso de inglês, disse que voltaria ao Brasil na noite seguinte e calou-se. Não sabia mais o que dizer. Tinha antecipado tanto aquele momento, e quando finalmente reencontrava Marco, ficava sem fala. Não adiantava ficar se preparando para nada, porque a vida apreciava a ironia e esperava você se distrair para realizar o seu maior desejo. E quando ele se realizava, às vezes era tarde demais.

Ele a encarava com tal insistência, que ela enrubesceu. A admiração no olhar de Marco era como um toque físico, e Marisa apertou a grade do parapeito. Perguntou-se como reagiria se ele quisesse uma reconciliação. Só de pensar nisso... Não, melhor esquecer aquela ideia. Nunca poderia confiar nele. Marco havia destruído muitas coisas que lhe eram caras. Na verdade, Marisa pensou, era até grata por isso. Tinha aprendido sua lição com ele.

VERMELHO: Uma História de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora