De repente, acontece de novo. Minha visão é interrompida, mas volta ao normal em menos de um segundo. Isso passa quase despercebido dessa vez. É a mesma coisa que aconteceu quando a cabeça de Mitchell apareceu na minha frente. Como se o aparelho desligasse por um milésimo. Será que é algum defeito?

Começo a girar lentamente, olhando para cada detalhe na sala. Meu coração bate forte.

O resto da sala está completamente vazio. Há dois cilindros enormes de madeira e mármore que se erguem do chão até o teto. Pilares. A cadeira de dentista está bem perto de mim. Ela é estofada e tem algumas máquinas retangulares anexadas a um cano fino ao lado.

A dor da minha cabeça aumenta um pouco. Minha nuca parece formigar.

Enfim, eu finalmente me viro para a janela. Sinto algo forte e um pouco quente bater contra meu rosto. Isso faz meus olhos arderem um pouco outra vez. Luz. A luz forte vem da janela. É ela que ilumina o local inteiro. Por alguns instantes, fico sem conseguir enxergar direito. Entretanto, parece que meus olhos vão se acostumando à luz aos poucos, pois ela para de afetar minha visão.

Vejo uma figura perto da janela. Primeiro, eu não consigo vê-lo direito por estar contra a iluminação. Mas quando me aproximo, eu consigo montar o corpo da figura com meus olhos. Aquilo embaixo dele são pés vestindo tênis. Isso significa que suas pernas estão vestidas pelas calças jeans. Acima disso, há uma camiseta de alguma cor que eu ainda não tenho noção qual é. Seus braços são finos e magros, como seu corpo. Suas mãos estão escondidas dentro dos bolsos da calça. Seu cabelo é vermelho. Eu sei disso porque sei que ele é ruivo. E sei que aquelas manchas em seu rosto são sardas.

Corro até ele e pulo em seus braços, em um abraço apertado. Fecho meus olhos com força. Mesmo com minhas pálpebras os cobrindo, ainda consigo ver a claridade do lado de fora. Algo que eu não conseguia quando era cega. Eu não sou mais cega. Eu estou vendo!

— Eu vejo! — falo, minha voz demonstrando toda minha emoção. — Eu consigo ver!

Abraço-o com toda força que tenho. Exponho toda minha alegria neste abraço. Minha empolgação causa um nó na garganta. Aquele momento poderia durar para sempre que eu não me importaria. Eu não quero que todas essas sensações vão embora.

Quando abro os olhos, vejo o que Mitchell havia dito. Eu vejo a visão que Steve disse ser incrível. Eu vejo o mesmo que eles viram. O mundo lá fora.

Nós nos soltamos aos poucos e eu me coloco bem na frente do vidro. Minha respiração faz a janela embaçar um pouco. Prédios de todos os tamanhos preenchem a cidade. Esses grandes montes estruturais são prédios. Vejo veículos se movimentando nas ruas lá embaixo. O céu com suas nuvens. Os pássaros voando e piando alto. Asas batendo contra o ar, indo contra a gravidade. Sinto todos os meus pelos se arrepiarem enquanto um calafrio atravessa meu corpo.

Então este era o azul. A cor que preenche o céu e o rio Mississipi. Esta é a cor preferida da minha mãe. E eu vejo o porquê. Ela é tão bonita. É algo tão incrível ver fragmentações dos diversos tons azuis com nuvens flutuando lentamente por baixo céu, mas ao mesmo tempo, cima de tudo. Uma outra cor é espalhada lá em cima. Esta é feita pelo sol. Amarelinho. O sol é amarelo. E, se este é o amarelo, significa que a camiseta de Steve também é amarela.

O azul é usado em diversos edifícios. Muitos dos prédios são quase totalmente envidraçados e o azul do céu é... como é aquela palavra... refletido?

Os pássaros passam tão rápido voando que parecem borrões no ar. Isso são borrões. Tudo parece estar tão distante e ser tão grande daqui.

Invisível (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now