Capítulo Um

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Eu nunca vi o azul. Mas sei que é a cor do céu. E, apesar de nunca ter visto o branco ou o cinza, sei que as nuvens são dessas cores. E que essas duas coisas são tão altas que apenas aviões conseguem alcançá-las. O céu, pelo que minha mãe me explicou, cobre a Terra inteira. Ou seja, para qualquer lugar que formos, haverá um céu acima de nós. Algumas vezes ele está azul. Algumas vezes ele está branco ou cinza. E, de noite, ele está preto, com pontinhos brilhantes o preenchendo. Que são estrelas.

Eu havia decorado tudo aquilo. Queria imaginar como seria isso, ter uma simples imagem na minha cabeça... Mas não tenho nenhuma noção do que é preto. Não tenho nenhuma noção do que são pontinhos brilhantes. Não tenho nenhuma noção do azul, ou do branco, ou do cinza. Apesar de algumas pessoas dizerem que eu enxergo apenas a cor preta, não tenho uma noção concreta dela. Sei apenas que ela é a ausência de todas as cores, algo que eu aprendera na escola.

É claro que tenho curiosidade para descobrir como são as cores. Como é uma obra de arte. Como o céu é de todas as suas maneiras...

Mas a verdade era dura: eu nunca descobriria.

Hoje é meu primeiro dia na escola após a minha tentativa de suicídio. Estou dentro do carro com meu pai dirigindo. Nós não falamos nada durante a viagem inteira.

Eu faltei todos os dias semana passada e não dei nenhum sinal de vida para Steve até ontem à noite. Ele é o único amigo que eu conseguira fazer no meu primeiro ano do Ensino Médio. Estava preocupado comigo por causa do meu sumiço. Mandei uma mensagem para ele avisando que tive uma gripe tão forte que não conseguia nem mexer no celular.

Ele acreditou. Eu tive que implorar para meus pais não irem na escola falar que eu fiquei fora por esse tempo porque havia tentado suicídio. Não quero que absolutamente ninguém, além deles, saiba o que aconteceu. Imagina como seria chegar na escola com todos apontando para mim como a garota que tentou suicídio.

Talvez o comportamento deles mudaria. Ao invés de fazerem mímica atrás de mim — como se eu não conseguisse ouvir as risadinhas e os passos no chão —, eles olhariam e falariam: "Coitada da Zoe, ela passou por muitas dificuldades". Ou então, poderia mudar para pior. Eles falariam: "Ela só quer chamar atenção. Duvido que tenha tentado se matar de verdade."

Bem, a segunda opção parece mais provável.

Meus pais me obrigaram a levar o celular para a escola hoje. Coisa que eu nunca fazia, pois ter um celular falante só serve para fazerem mais piadinhas.

Quando o carro para, sinto um calafrio percorrer meu corpo. Está na hora. Nós chegamos.

Eu sei que estamos em frente à escola porque não há faróis ou nada que faça o carro parar no meio do caminho. Ou seja, o máximo que o carro para são três vezes: duas para virar em algum cruzamento com cuidado e a última significa que já chegamos ao inferno.

Viro minha cabeça para ele.

— Você tem certeza que pode voltar para casa sozinha? — ele pergunta.

Balanço a cabeça, afirmando. Sinto que ele está deprimido. Pelas fungadas que deu no meio do caminho, eu presumo que ele tenha chorado recentemente. E a culpa é minha.

— Eu estou bem, pai — falo. — Posso ir sozinha.

O silêncio predomina por um tempo. Eu consigo sentir o clima tenso no carro. Então, eu o ouço se remexer no banco. Sinto-o se aproximar. Seus lábios encostam suavemente em minha testa, depositando um beijo.

— Eu te amo, Zoe. — Sua voz está rouca e fraca. Isso significa que está prestes a chorar.

Isso me faz sentir mal.

Invisível (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora