Capítulo Três

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CLÁUSULA UM: O indivíduo e seus responsáveis estão cientes de que o determinado projeto envolve tecnologia avançada e nunca testada antes.

Por que eu estou ouvindo isso? Steve disse que era uma má ideia. Eu tinha achado uma má ideia. Mas aqui estou eu. Ouvindo a voz robótica citar todas as quarenta e duas cláusulas do contrato de onze páginas.

Quando os agentes da NeoTech saíram da cafeteria e Steve entrou, tivemos uma conversa que me fez ter certeza de que eu não iria fazer esse teste. Eu disse a mim mesma que nem ouviria o contrato. Que rasgaria aquelas folhas e que ligaria para Logan dizendo que havia recusado. Devolveria o gravador e voltaria a minha vida normal.

— Isso é o certo a se fazer — falou Steve. — Mil pessoas recusaram. Por que você aceitaria?

Ele estava segurando o contrato e lendo algumas cláusulas.

— Bem... eles falaram que a maioria das vezes foram os pais que não deixaram ou...

— E você acha que seus pais vão deixar você participar de uma coisa dessas?

Não. Principalmente depois de eu ter tentado suicídio. Na verdade, eu não sei qual seria a reação deles. Desde o dia que me encontraram no chão do banheiro, os dois estão fazendo de tudo para me agradar. Será que eles recusariam mesmo se eu os implorasse?

— Bem, eu acho que consigo fazê-los assinar... — digo.

— Você ficou maluca?! — Steve quase gritou. Então, ele jogou o contrato na mesa. — Rasgue isso. Parece a porra do roteiro de um episódio de Black Mirror. E essa série não tem finais felizes.

Eu peguei o contrato. Steve estava me assustando mais do que eu já estava.

— Eu vou rasgar — falei. — Assim que chegar em casa, eu rasgo.

Nessa hora, meu celular tocou. Era minha mãe. Estava preocupada comigo, mas eu a tranquilizei, dizendo que já estava indo e que estava demorando porque Steve me convidara para a cafeteria.

Fui para casa com o contrato escrito na mão e o contrato em áudio no meu bolso. Minha curiosidade para saber cada palavra daquelas páginas estava começando a me corroer no caminho, mas eu falava comigo mesma para não ouvir o áudio. Você não pode ouvir isso. Steve está certo.

Não tem finais felizes, ele disse. Sem finais felizes. Mas o que há de ruim em ter visão? O que há de ruim em uma pessoa cega de nascença começar a enxergar? Não vejo desvantagem nisso. E daí que mil pessoas recusaram? Talvez essas mil pessoas não passem a mesma coisa pela qual eu passo. Talvez essas mil pessoas conseguiram vaga na escola pública para pessoas com deficiência visual no centro de Saint Louis. Talvez essas mil pessoas tenham dinheiro para pagar a escola particular especializada em deficientes visuais e auditivos. Talvez essas mil pessoas tenham sido impedidas pelos pais. Afinal, são adolescentes.

CLÁUSULA QUATRO: O indivíduo deverá aceitar ser designado pelos nomes: Cobaia, Objeto de Experiência, Experimentado e entre outros que serão decididos pelos responsáveis do projeto.

Quando cheguei em casa, minha mãe correu para me abraçar. Ela realmente estava muito preocupada comigo. Sorte minha foi ter colocado o contrato dentro da mochila segundos antes de entrar.

— Por favor, não se esqueça de me avisar da próxima vez — ela disse.

Eu a abracei de volta. Meu coração batia fortemente e eu me sentia mal por deixá-la desse jeito.

— Tudo bem — falei. — Eu estou bem...

Talvez tenha sido naquele momento em que eu decidi que não rasgaria o contrato até ouvi-lo. Talvez tenha sido aquele momento que me fez decidir tirar o gravador do bolso e recolher meus fones de ouvido. Talvez tenha sido aquele momento que me fez ouvir as cinco primeiras cláusulas naquela tarde.

Invisível (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora