Parte 1 | Prólogo

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Há muitos momentos de minha vida que eu não costumo contar por aí. Mantenho somente para mim e para mais ninguém, salvo alguns amigos próximos. Alguns colunistas de revistas de fofoca costumavam sofrer de curiosidade crônica sobre minha relação com Alexandro ou com o motivo para eu não falar mais com meus pais, porém infelizmente eu não poderia ajudá-los — nem queria. Soube, inclusive, que não era incomum que minha irmã fosse abordada por correspondentes nos Estados Unidos: Júlia me contou que precisava sempre de uma força de vontade imensa para não fazer a Britney em 2006 e tacar guarda-chuvas em qualquer paparazzi que aparecesse.

Mas, estranhamente, houve uma pessoa que conseguiu ultrapassar esse meu lado silencioso. Jamais, jamais mesmo, entendi o motivo de ter contado tudo o que houve comigo para ele. Não sei se foi sua profissão, se foi o clima de intimidade — provavelmente não, há uma diferença muito grande entre intimidade sexual e intimidade afetiva — ou se simplesmente sua figura imponente me causava algum tipo de segurança. O ponto é que, naquela manhã, eu despejei em Gabriel tudo que sentia em relação aos meus receios como se ele fosse um amigo de anos.

Vamos por partes.

A primeira coisa que você precisa saber é que eu não fui de penetra naquele show, como muita gente diz. Antônia, vocalista da Trophy Husband e uma de minhas melhores amigas, cansada de me ver deprimida pelo que Alexandro havia feito, decidiu, de última hora, me enfiar na lista de staff de sua banda, que abriria o show da incrível Sissy Walker. Assim, do nada: "Lena, você vai viajar comigo para outro país como figurinista da banda, e Luciana vai como nossa maquiadora. Seu passaporte tá ok?"

Felizmente, estava. Tanto eu quanto Luciana, minha sócia, temos dupla cidadania, então conseguir tudo às pressas foi mais fácil do que poderia ser em outros casos. Ainda assim, mal tivemos tempo para refletir sobre quão doida era aquela situação. Ora bolas, a Trophy Husband, banda de nossa melhor amiga, ia abrir o show de uma banda de rock indie muito famosa! Não era uma loucura? Sim, com certeza!

Luciana estava em êxtase. Mesmo sendo uma pessoa normalmente blasé, madura demais para seus vinte e tantos anos, ela não conseguia esconder a felicidade. Sissy era uma de suas bandas preferidas, e ela tinha uma paixonite imensa em relação à vocalista, Betty. Se eu não tivesse certeza de sua heterossexualidade, pensaria que estava na hora de minha amiga sair do armário.

Eu estava achando tudo bacana, mas nada de muito sensacional. Claro, viajar de graça para outro país, ouvir um show incrível em um festival de rock badaladíssimo e ainda conhecer um monte de gente famosa e, quem sabe, fazer contatos, era incrível. Mas, naquela época, nada me animava por completo. Sempre havia um certo receio, um monstrinho ali, pendurado no ombro, sempre sussurrando no meu ouvido "tá feliz por quê? Não abaixa essa guarda, olha o que aconteceu há alguns anos, quando você relaxou! Não aprendeu a lição?"

O monstrinho me acompanhou durante a viagem e fez questão de ficar em alerta quando eu fui deixada sozinha no backstage do show: a Trophy Husband foi para um lado, Luciana para outro, e eu, distraída, fiquei parada, observando o caos dos bastidores. Estava fascinada com aquela correria. Já era familiarizada com o backstage de eventos de moda, claro, levando em conta que eu havia organizado alguns e que minha profissão exige minha presença neles, mas nunca havia estado atrás das cortinas de um show de rock. A energia era outra, o ambiente era outro, nada de modelos seminuas ou araras de roupas a cada cinco metros. Era interessante notar as diferenças.

Por um momento, o monstrinho em meu ombro tentou encher o saco, até que cansou e sossegou, de tão imersa eu estava, acompanhando a barulheira, a correria, ouvindo a multidão ao longe gritando pela Sissy Walker. Pessoas apressadas, com pranchetas, tablets ou cadernos em mãos, repórteres e câmeras tentando conseguir cenas exclusivas, caminhando sorrateiramente por corredores e muitas línguas sendo faladas ao mesmo tempo. Consegui identificar, além do inglês, espanhol, italiano e francês. Uma salada mista de pessoas de tudo quanto era jeito em uma dança bagunçada, mas aparentemente sincronizada.

Amor nas AlturasWhere stories live. Discover now