Visto por Catamarim, o castelo do rei à distância e do alto, parecia um monte de espinhos secos no centro de uma poça d'água.
Quando começou a descer, fazendo giros com seu corpo de pombo, pôde perceber o quanto a primeira impressão era errônea. A construção era incomparável, enorme e singular. Tomava toda uma ilha, no centro de uma enorme lagoa salgada, e possuía ao todo 25 torres pontudas, com mais de dez andares cada. O único acesso ao local era por ponte, ou pelo ar. Nem mesmo os barcos podiam chegar até o castelo. Não havia portos, a muralha impedia isso, circundando toda a margem externa da lagoa salgada. As embarcações que vinham do canal que levava ao oceano precisavam passar ao largo da ilha e se dirigir até os pequenos portos nas margens do lago. Só assim as mercadorias poderiam ser descarregadas e levadas ao palácio pela ponte de cinco quilômetros de comprimento. Toda essa logística era gerenciada pela guilda do comércio e envolvia carroceiros, guardas portuários, taxas de desembarque e de embarque, fiscais, estivadores, câmbio etc. Algo bem lucrativo, apesar de dispendioso e corrupto. Após a Guerra dos Faes tudo ficou muito mais lucrativo apesar de mais corrupto.
Catamarim estava cansado. Havia viajado por toda a noite para chegar até ali. Se o rei apreciasse suas notícias, ou pelo menos o seu empenho em trazê-las, talvez recebesse um quarto dentro das muralhas, comida quente e bebida. No entanto, havia sempre o risco de o mensageiro ser confundido com a mensagem e a sua cabeça tombar de lado com um machado. A verdade é que Catamarim não tinha ideia se seria recebido no palácio.
Pousou no centro da cidade costeira, a certa distância da ponte. Não era sensato voar direto até o castelo, o rei empregava um grupo volumoso de feiticeiros e não hesitaria em usá-los. Deixou a forma do pombo e voltou ao seu corpo magro, curvo, encardido e sujo de bosta de vaca. Olhou em volta à procura de perigos, mas não viu nada que o ameaçasse. Na verdade, não viu nada além de prédios vazios. Nenhum pescador, nenhum comerciante, nem mesmo guardas. Tinha começado a chover.
Caminhou lentamente até a ponte e viu onde estavam todos. Havia uma turba na entrada da ponte. Uma parede de guardas impedia a passagem de qualquer um, apesar de ninguém fazer menção de o fazer. Eles estavam ali para ouvir a fala do homem alto e magro em cima de um caixote de madeira. Catamarim o reconheceu de outras vindas até a cidade: Waldrove, senescal do castelo.
"... todos estão impedidos de entrar até segunda ordem. Não precisamos de comerciantes ou de pedintes no momento, o que precisamos é de curandeiros e feiticeiros..."
"Waldrove", gritou um dentre os populares, "fale-nos do rei. Como ele está?"
O homem magro continuou a ler seu pergaminho: "... quem daqui que tiver as aptidões mencionadas, ou conhecer quem as tenha, por favor adiante-se e comunique a um guarda palaciano. Muito bom dia!"
Então desceu do palanque improvisado e foi para a charrete na ponte.
Quatro pessoas adiantaram-se enquanto outras se afastaram em grupos conversando. Catamarim gostaria de ouvir os comentários para entender melhor o que estava acontecendo antes de falar com os guardas, mas o tempo estava correndo e a seleção estava sendo feita às pressas.
"Sou feiticeiro", disse ele a um dos guardas.
"Siga a charrete, senhor, e que os deuses o abençoem".
"O que aconteceu?"
"Tudo será explicado no palácio".
Catamarim seguiu a comitiva pela ponte larga de mármore. Havia um peso fúnebre nos passos e o mago receou pelo pior.
Os portões se abriram e eles puderam caminhar pelas ruas limpas e lisas da capital. Havia magia naquelas pedras, assim como nas construções enormes e brancas. Não havia engenharia capaz daquilo. Fora da capital, a mais alta construção vista eram as dos fortes dos duques, que não chegavam nem à metade daquelas torres. Seria preciso um gigante para transpor aquelas muralhas e mesmo ele teria de ser bom em salto e de escalada. Uma magia antiga da Lei mantinha tudo em pé. Assim como todo o reino. Foi a magia da Lei que veio trazer luz ao caos dos Fae. Sem ela a humanidade teria sucumbido logo nas primeiras noites.
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Rua Dornelas, 45
HorrorHá lugares que são santuários de memórias. Há casas que tiveram bons ocupantes, que se amavam e se respeitavam, mas também havia casas como a que ficava na rua Dornelas, 45, que, por uma série de desventuras e infortúnios, nunca teve boa sorte na e...