Só por hoje

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Mauro encostou o seu ford 1928 preto ao meio fio e olhou para a casa iluminada do outro lado da rua. Podia ouvir as risadas e a música de onde estava. Parecia que toda a cidade estava lá, dado o número de cadillacs estacionados à rua e à sua volta. A casa não tinha vizinhos, um dos privilégios dos bairros novos e dos boêmios profissionais. A festa poderia se estender até quando a bebida durasse. Antes de sair, verificou mais uma vez a garrafa de alumínio sob o paletó. Tinha prometido à filha não beber por uma semana depois da confusão que arrumou em casa, mas a garota fora mais esperta que ele: "Só por hoje, papai", dissera ela, e assim repetia todos os dias antes de ele sair para trabalhar. Tinha de admitir que o mantra funcionara, já estava no quinto mês que não colocava uma gota de álcool na boca. Mas por mais que tentasse, não conseguia sair de casa sem levar o seu amuleto de destruição. Afinal, nunca se sabia quando seria preciso um pouco de autopiedade líquida.

Saiu do carro. Ajeitou o paletó e o chapéu. Atravessou o jardim de buganvílias cumprimentando os convidados, que se divertiam em conversas animadas. Não entrou pela porta da frente, preferiu dar a volta e ir direto ao jardim nos fundos, onde a festa transcorria. A decoração estava deslumbrante, com lanternas enormes de papel, flores, tendas brancas e pilhas de taças de champagne. Garçons equilibravam-se entre os grupos, carregando canapés e outras guloseimas que Mauro desconhecia. Sentia-se meio deslocado e roto, como se o paletó que vestia não fosse seu. Todos ali estavam bem vestidos, com ternos pretos, vestidos brilhosos e cabelos laqueados. Os que não estavam tinham motivos para isso. Como o artista Jean Dubois, que nunca era visto em púlbico sem suas sandálias de couro e a camisa branca amarrotada. Sua carranca francesa talvez só perdesse como repelente social para o seu mau cheiro de ermitão. Carlos Saldovani ostentava o verde oliva em seu paletó irlandês e a armação de tartaruga dos óculos. Era um colunista de arte respeitável e não perdia uma ocasião social para se mostrar e dar suas alfinetadas. Um poço nojento de petulância e arrogância. Não era de se admirar o número exagerado de admiradores que possuía e que orbitava a seu redor. Viva o mundo da imagem e do fútil!

A piscina havia sido coberta por uma passarela de vidro e as pessoas dançavam sobre ela ao som da banda de cordas. Mais adiante viu dois anjos de gelo entrelaçados em pleno vôo sobre uma enorme mesa de frutas e gelados e imaginou quanto deveria ter custado tudo aquilo. Mauro caminhou mais, mas por mais que olhasse não conseguiu encontrar em parte alguma o dono da festa.

"Bourbon, senhor?"

"Como disse?", voltou-se Mauro para o seu interlocutor.

"Bourbon, senhor", repetiu o garçom. "Se preferir, posso trazer-lhe algo mais do seu agrado".

Mauro sentiu a garganta secar, mas recusou com um sorriso o que aquele homem irritantemente altivo lhe oferecia. Promessas quebradas costumam ser amargas na manhã seguinte.

Aproximou-se de uma mesa. Nela cinco pessoas conversavam animadamente. Eram todos jovens e bonitos e usavam trajes impecáveis, um pouco fora da moda, meio século passado, mas lindos. Mauro falou com a garota da ponta.

"Boa noite, meu nome é Mauro, procuro o dono da festa".

A jovem sorriu como se tivesse ouvido uma piada e apontou uma cadeira vazia.

"Sente-se, Mauro. Beba conosco".

"Desculpe, mas preciso encontrá-lo".

"Temo não podermos ajudá-lo, somos penetras, não conhecemos o senhor da festa", disse ela caindo na gargalhada. "Agradeceria muito se não nos apresentasse".

Mauro se afastou e abordou outro grupo, que parecia saído de um baile francês à fantasia.

"Não, não o conhecemos", disse o Arlequim tropeçando em suas próprias pernas. "Estamos aqui a noite toda e não nos deparamos com ele ainda. Quer um pouco de vinho?"

Rua Dornelas, 45Onde as histórias ganham vida. Descobre agora