Floresta de sangue

11 1 0
                                    


Na noite em que seu marido morreu, Elza fez duas promessas. A primeira foi a de que nunca mais se casaria novamente. A segunda: de que se tornaria uma bruxa.

Quando criança, viram a aptidão em seus olhos enquanto liam sua sorte no tabuleiro gipsy. A cigana engasgou e desconversou, mas Elza tinha percebido, era esperta para idade. As amigas riram e depois foram comer doces na feira, mas Elza foi se consultar com o mago da corte. Ele estava bêbado como de costume, acariciando o seu coelho branco na torre dos magistas. Ele não quis dizer, fugia das perguntas da menina, mas então assumiu que já tinha visto isso no seu futuro. Um dia ela se tornaria uma grande usuária de magia, e conquistaria mundos. Bêbado como estava, não confirmou nada nos dias seguintes. Fazia chacota e desconversava. Afinal, era da filha do duque de quem falavam. Seu destino já estava traçado desde antes do nascimento. Deveria se casar para manter as terras do pai e quem sabe assegurar um futuro para os irmãos homens.

Um dia na corte, enquanto os grandes magos discutiam o porquê de uma floresta não arder ante suas magias, foi ela quem deu a solução, de forma tão natural que todos sentiram arrepios. No dia seguinte colocaram-na em uma carruagem para o norte, onde encontrou seu noivo e casou-se em uma tarde de verão, sem qualquer familiar por perto para abençoa-la. Elza tinha 12 anos.

Duas coisas acabaram naquele momento. A primeira delas foram os sonhos proféticos que tinha. Costumava sonhar com lugares distantes, ou com pessoas que não conhecia, ou que viria a conhecer. Nesses sonhos, coisas ruins aconteciam. Pessoas morriam ou se machucavam. Quase sempre acordava com gritos e suada. Não se arrependeu por perdê-los. O sofrimento de toda a noite antes de dormir, sem saber se teria ou não pesadelos, não deixava saudade.

A segunda coisa que terminou foi a sua vida. Pois naquele dia começara a vida da senhora Elza Lefayardin, duquesa de Orey. Amante de bordados, de festas, recepções e conversas fiadas ao pôr-do-sol. Nunca mais pôde correr descalça pelo campo, ou brincar de se esconder pelos corredores do castelo. Não poderia passar as tardes discutindo com os tios magistas, nem ler até de madrugada perto da lareira do pai.

Costumava ver as mais jovens, como sua sobrinha Caritas, sonharem acordadas desejando ardentemente o casamento com seus príncipes e não imaginava algo mais opressor e terrificante. Viver enjaulada à sombra de um ser perfeito. Mas este era o seu dever, não era? Precisava ser a mulher ideal para alguém, suportar as dores de ser adulta e ter responsabilidades. No entanto, não podia afastar da mente a vã esperança de um dia se ver livre definitivamente. Fora do julgo do mundo masculino. Do seu esposo e de seu pai. Mas como fazer? Isso já era outra história.

Agora estava livre.

Sessenta anos tarde demais.

Durante o velório de seu marido, o seu cunhado, o rei, veio falar-lhe. Ofereceu-lhe seus pêsames e depois, sem cerimônia, foi aos negócios:

"Elza, há muito não há mais guerras e os lordes, agora livres das obrigações marciais, voltam-se para questões mais mundanas. Discutem espólios de guerra e partilha de terras. Sua família está unida à realeza por seu casamento com meu irmão, o duque de Orey, e sempre respeitarei a sua pretensão a estas terras. No entanto, outros senhores podem ver em uma senhora anciã uma oportunidade para conquistas. Sempre irei vir em seu auxílio, é óbvio, somos parentes, mas seria interessante quebrarmos o entusiasmo deles, não é mesmo?"

"O que me sugere, cunhado?", disse Elza já sabendo o desfecho daquela conversa.

"Talvez seja conveniente que abdique em prol de seu filho mais velho, Willian. Acredito que ele esteja apto para a tarefa. Você poderá continuar a seu lado aconselhando-o, é claro, mas seria interessante um tutor dentre meus magistas para acompanhar seus primeiros passos".

Rua Dornelas, 45Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ