Envelhecer

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"Que bom que pôde vir, senhorita Cristina Augusta".

"Apenas, Cristina, ou Cris. Nunca gostei do meu nome composto, senhor Costa".

"Ok, Gabriel então, o que achou da casa?"

Cristina olhou em volta. Tinha sentido um arrepio ao olhar a construção do lado de fora. Era como se todas as janelas a observassem por trás dos vidros grossos, mas, uma vez lá dentro, era diferente. Seu olhar profissional aguçava seus sentidos para outras coisas, o que lhe excitava sobremaneira.

"Eu adorei".

"Sério?", impressionou-se o advogado. Pousou a pasta sobre uma mesa na sala e tirou dela alguns papéis. "Bem, o trabalho é simples,... hã, pelos menos de explicar, a execução já é com você. Entramos em contato com a universidade, pois achamos que lá poderíamos encontrar algum especialista em textos antigos, história medieval, sei lá. Então, indicaram o seu departamento. Devo supor que é professora lá?"

"Ahh... bem, na verdade, não", a moça sentiu as bochechas corarem. "Trabalho como bolsista. A professora Enderlein que é a responsável. Ela me enviou aqui para avaliar o trabalho".

"Uma estudante, então", disse o advogado massageando com o polegar e o indicador o topo do nariz entre os olhos. "Bem, o cômodo fica subindo as escadas."

"E do que se trata exatamente?"

"Melhor ver por si mesma".

Há três corredores no segundo andar da casa, que levam aos demais ambientes. O advogado toma o da frente e segue até o final.

"Por muito tempo esta casa ficou fechada. Passou por diversas mãos ao longo de sua história desde que foi reconstruída pela família Vanderbilty. Alguns fizeram melhorias, construíram alas novas, outros apenas deixaram ao Deus dará. Recentemente, o novo proprietário decidiu avaliá-la, para quem sabe reformá-la ou simplesmente vendê-la. O que fosse mais lucrativo". Os dois chegam ao final do corredor e o advogado, usando um gancho da parede, puxa a portinhola do sótão. "Foi então que nos deparamos com o motivo de sua vinda, senhorita Cristina".

Os dois sobem a pequena escada para o sótão. Cristina fica impressionada com o pé direito alto e a estrutura de madeira do teto. Vira aquele entrelaçamento de vigas apenas em construções medievais, nunca numa casa antes. Há apenas uma janela, virada para a frente da casa, para o Leste; no entanto, a iluminação não vinha de lá, mas sim dos diversos holofotes dispostos em pedestais voltados para as paredes. E o que eles iluminavam! Cristina desviou das tralhas no centro da sala e se aproximou mais das letras. Havia diversas delas. Espalhadas por todas as paredes, por cada pequeno trecho e reentrância. Não só letras, mas palavras, textos... histórias! Leu uma aleatoriamente:

"Era fim do Inverno, a mulher cobriu-se com a pele do veado e sentou-se perto da fogueira. Beltane havia passado e com ele o interesse pelo parceiro que dormia ao seu lado. Talvez ele tenha germinado seu ventre, talvez não, hoje a mulher não se importava mais com isso. Já havia dado ao mundo seus filhos. A maioria a abandonou pela guerra, pela glória e pelas riquezas do mundo cristão. Ela não precisava mais de filhos. Só precisava esperar o tempo de partir".

"Quem escreveu isso?", perguntou Cristina puxando o caderno para tomar notas.

"Não será necessário, senhorita", disse o advogado entregando os papéis que trazia consigo. "Coloquei minha estagiária nas últimas semanas a cargo de transcrevê-los. Ela ficou bastante transtornada com algumas coisas que leu. Pediu demissão ao fim do trabalho. Quanto à sua pergunta, não temos a mínima ideia. Possivelmente algum antigo proprietário, ou algum drogado que tenha invadido o lugar. Não sabemos mesmo. Mas..."

Rua Dornelas, 45Where stories live. Discover now