Floresta de cinzas

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Caritas sentou-se sobre uma árvore tombada e aguardou. Olhou para a barra de seu vestido e fez uma careta. A travessia pela floresta havia cobrado um preço alto sobre as suas vestes. Mas não tivera opção, não podia simplesmente vir até ali de carruagem, ou a cavalo. Os galhos eram baixos nas árvores esqueléticas e o caminho sinuoso e lamacento. Além disso não queria que ninguém soubesse o que viera fazer no coração daquele lugar sombrio e agourento, repleto de fantasmas e maldições.

Ainda se lembrava das velhas histórias contadas pela sua ama quando era criança. Das batalhas travadas contra o povo belo e do fim trágico de todos que cruzaram os limites das árvores negras. A que mais a impressionava era a do guerreiro sagrado Talhors, cujo sangue remontava aos antigos deuses da Lei, que após infindáveis batalhas, prestes a aposentar a espada, foi seduzido no fim da Guerra dos Faes por uma mulher fantasma e adentrou naquela floresta para nunca mais voltar. Muitos foram ao seu encalço, mas ninguém voltou também. O rei, pai de Talhors, mandou queimar toda a floresta com fogo mágico, capaz de devorar a tudo com exceção de seu filho, mas a chama sequer chamuscou a mais simples folha de grama do lugar. Magos de todo o reino foram chamados para a mesma missão, mas de nada adiantou. Eles afirmavam que deveria haver um ser de grande poder ali que impedia suas conjurações, mas foi uma menina quem elucidou a questão. Não haveriam de queimar a floresta, porque a magia invocada era taxativa em não ferir o grande Talhors, que agora deveria fazer parte de toda a floresta, servindo de alimento a galhos e raízes de onde estava enterrado.

Caritas ouviu um barulho. Quando se virou, viu o homem que havia lhe visitado nos sonhos sentado a uma certa distância.

- Você veio, disse ele sem se levantar. Ele era magro e encurvado, apesar de alto, usava um manto negro sobre a camisa branca suja, e parecia evitar o olhar de Caritas.

- Vim em busca do que me prometeu, se não for mentira e eu estiver condenada por minha ingenuidade.

- Siga-me e veja por si mesma.

O homem desapareceu quando Caritas piscou seus olhos e reapareceu mais à frente na trilha. Ela o seguiu, às vezes demorando para encontrá-lo, pois de forma alguma ele caminhava como uma pessoa normal. Era como se saltasse de um lugar para outro quando Caritas se distraía, seja por causa de um uivo na floresta, por um sapo coaxando, ou quando um galho lhe roçava as pernas. Em nenhum momento, ele permitiu que ela se aproximasse menos de 20 passos de si, mesmo se Caritas fizesse força para não piscar ou desviar sua atenção.

Por fim, chegaram a uma pequena clareira. Ao centro dela havia um círculo de fadas com uma cova antiga coberta de musgos dos mais variados matizes. O estranho estava do outro lado de círculo observando Caritas por trás das abas altas do manto.

- Aproxime-se, donzela.

- Não sou donzela, respondeu Caritas ficando a dois passos das pedras, sem ousar entrar no círculo.

- Não, não é. Você busca o seu amor perdido.

- Nos sonhos você me disse que saberia como eu poderia reencontrá-lo.

- Seu marido morreu a morte dos traidores. Foi executado pelo rei por ter vendido a alma aos Senhores do Caos em troca de poder. Você e seus filhos deveriam ser executados também pelos dogmas dos deuses da Lei. Mas como é filha do rei, aqui estamos.

- Maendras foi morto injustamente, disse Caritas.

- Não, o motivo de estar aqui não é justiça, mas o fato de ele ter sido tirado de seus braços cedo demais, não é?

O estranho tinha razão? Não havia como se enganar, ela sabia do envolvimento de seu marido com as artes das trevas antes mesmo de sua captura. Mas o que importava mesmo? No seu íntimo, Caritas sabia a verdade. Ela não estava pronta para perder seu grande amor, mesmo que ele fosse o demônio que todos diziam.

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