Capítulo 8 - O Vassalo

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Acordei com o rosto nos joelhos, abraçando as próprias pernas. Estava dentro do buraco de uma árvore que parecia uma mulher grávida. Sai de meu conforto e pus os pés no mato. Senti a sol que passava por entre as folhas tocar meu corpo, que não era mais tão sem cor. Era como nascer de novo.

– Bom dia – disse um homem que passava usando roupas desnecessariamente quentes.

– Bom – respondi. – Não tá calor ai não? ­

– De onde eu venho o tempo varia em muito quente e muito frio. Sou por livre e espontânea preção, o vassalo de um plano distante.

– Meu nome é Mameluco.

– Minha colega pediu para que eu o levasse até ela. Gostaria de me acompanhar? Sei que quer isso.

– Aaah, então é você – bocejei me espreguiçando. – Então não perdamos tempo, quero saber quem me gerou.

E pelo caminho ele foi me contando sua historia. Senti vontade de contar a minha, mas ele não deixava, não parava de falar de si mesmo.

– O meu reino é bem cheio sabe. Mas só passou a ter tanta gente depois que eu caí lá. No principio, eu me sentia muito solitário.

– Sei como é. Quando afogado em minha lagoa, eu me sentia dentro de mim mesmo, solitário, vazio, oco, insosso, isolado e sem cor.

– Pois sim, então, dedico minha vida a conseguir novos companheiros para meu reino. Um dia conheci um homem chamado João, eu queria ele. É algo que você precisa aprender sobre o amor, nós não escolhemos quem amamos. E ele não me queria.

– Sito muito. Quando eu acordei, encontrei uma mulher, mas ela correu de mim.

– Ele me rejeitava, pois queria o reino de meu pai, que também é meu suserano. O que me doeu mais, pois eu fui abandonado por meu pai para me tornar seu vassalo.

– Aah, então você também é filho do Boto?

– Não, meu pai me gerou e me criou do jeito que sou. Mas voltemos a João, eu disse a ele que meu reino era muito melhor que o de meu pai, e mostrei. E lá, tinha tudo que ele gostava, festas e mulheres. E ele aceitou vim comigo.

– Esperto você.

– Claro, como todo relacionamento, ele gostou no inicio, mas logo começou a sofrer.

– Mas você tinha mostrado pra ele que era bom o seu reino. Você mentiu?

– Então, de onde eu venho, existe algo chamado política. O que ele viu primeiro, foi minha campanha eleitoral, mas o que eu entreguei foi o meu governo. E ele veio porque quis. Eu não o obriguei, assim como não obriguei você a vim comigo, eu pedi.

– Eu estou prestes a sofrer?

– Sim, sua historia é parecida com a minha. Mas eu pelo menos fui criado por quem me gerou. O que torna a sua muito pior.

– Eu não quero sofrer.

– Você quer sim, foi avisado antes e mesmo assim escolheu viver esse pesadelo. E a vida infelizmente não é só ascensão. Nos caímos também. Uma vida eterna sem sofrimento é a ilusão confortável de quem sofre. Você deve sofrer, para entender como é bom não ter sofrido até agora.

O homem vestido me levou para uma oca, semelhante a de Mani.

– É aqui que você fica, eu já vou.

– Espero que um dia você se resolva com seu pai – desejei.

– Também espero, eu era muito imaturo na época que recebi o castigo. Eu já governei por muito tempo, e se possível, gostaria de sair de meu reino, levar os Joãos que consegui e me tornar um nômade.

– Você não me disse seu nome – observei.

– Pode me chamar de Lúcifer.

– Nome bonito, o que significa?

– Estrela da Manha – e brilhando ele se foi.

MAMELUCO, Existência afogada.Where stories live. Discover now