Capítulo 7 - O deus Uauiará

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Passei pelo túnel que agora subia. Não demorei a alcançar a superfície. Tudo que existia debaixo de meus pés era ouro, pedras brutas ou lapidadas, cores e mais cores de gemas preciosas. Tudo se amontoava e formava pequenos e grandes montes, e por entre estes a água corria com vida. O teto da caverna era iluminado por pequenos pontos azulados que contrastavam com o dourado ouro que eu pisava.

– Pra que serve tudo isso? – perguntei para mim mesmo.

– Para atrair os sonhadores até aqui. Antes, o que aqui existia era grande abundancia de comida, mas agora para alguém vim, só ouro na causa.

– Você é meu pai?

– Assim como de muitos, Mameluco – ele confirmou.

– Como sabe meu nome? – perguntei

– Sei o nome de todos os meus filhos. Crispim, Mameluco...

– Eu me vi vivo a pouco tempo. Agora que estou aqui, não sei o que lhe falar. Então acho que quero saber, o que é um pai? O que faz um pai? É a mesma coisa das mães? Até onde entendi, todos tem de ter pais e mães.

– Aah meu filho, a realidade é mais complicada que isso.

– Eu sei. Crispim disse que não tinha pai, mas sua mãe disse que por ele não ter pai, o pai dele era você. Pode me explicar?

– Existem dois tipos de pais e mães. Tem os que geram e os que criam, porem os que geram só são pais se criam, e os que criam nem sempre geram. Eu crio os abandonados por seus geradores, sendo assim portanto seu pai e de Crispim.

– Então, além de vocês, eu ainda possuo pais geradores?

– Não garoto. Os que te geraram não criaram, portanto, não são seus pais. Eu sou teu pai – de um rio que saia de detrás de um monte de ouro, veio o dono da voz, um boto cor de rosa. – Sou o deus Boto Uauiará e ao boto é impregnada a paternidade dos abandonados. Os humanos me usam para criar seus gerados, pois eu sou as antigas idéias que os criaram, idéias antigas que surgiram antes mesmo de que eles pudessem saber que todos eram construídos por tais idéias.

– Mas quem gerou minha vida? – perguntei aflito. – Eu devo ter sido gerado por alguém! E para que adquira mais cor, preciso saber das cores que me geraram.

– Quem te gerou pode ser chamado de gerador, mas pelo que fez a ti, não pode ser chamado de pai ou mãe. Você pode conhecer eles, mas não serei eu a apresentar.

– Por que?

– A mãe do sonho preparou para você um sonho, e não um pesadelo. O pesadelo de conhecer o que quer, você deverá buscar enquanto desperto. Mas antes que partas, precisa conhecer algo aterrador, o que vim realmente te mostrar, para que possa viver seu pesadelo.

– O que?

– O amor, ou uma das formas de amar – ele disse. – O Karaibebé do amor destas terras é Rudá, e ele conversa bastante com um compadre seu, Eros, o deus dos amor de além do mar.

– E?

– E que Eros assim como Rudá é a personificação do amor, mas apenas de uma forma de amar, a forma carnal. Para resumir na historia de Eros, ele conheceu uma mortal, de nome Psique e juntos eles tiveram uma filha, de nome Prazer. Entendeu?

– Não.

– De fato, só entenderá quando viver o que contei. E vivendo o que contei também conhecerá seus geradores. Mas para receber, também deverá dar.

– Mani me ensinou isso em sua oca – falei.

– E isso deve ser lembrado, para que você não seja envenenado.

– Que? – perguntei.

O pai dos abandonados afundou-se na água e quando emergiu, trouxe com sigo um material moldável e verde.

– Esse material foi gerado pela terra e agora deve ser criado por você. Molde um animal dele!

Daquilo, moldei um pequeno jacaré, mas eu não sabia o que era.

– Um muiraquitã – disse o Boto. – Poderia te dar ouro, mas alguns valorizam mais o significado das coisas que seu brilho ofuscante. Comumente, as mulheres que dão aos homens estas pedras, mas você pode quebrar o padrão e dar isso a ela. Um muiraquitã é um símbolo de boa sorte. E você dará ele para a mulher que vai te dar o pesadelo que desejas.

MAMELUCO, Existência afogada.Where stories live. Discover now