Capítulo 2 - Iemanjá

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– Então estou indo me buscar – falei. – Obrigado por fazer de mim algo mais do que já fui.

– Sonhe com os Karaibebés e até mais – desejou Carcará, o que me fez voltar para ele e perguntar o que era um Karaibebé. Mas ele já havia voado para longe, o que me frustrou. Cada resposta perdida era uma sequela grave, pois uma informação perdida pode definir todo o futuro de um ser, toda sua formação tudo que ele iria representar.

Eu nadei para dentro de minha lagoa, para a parte mais funda, para dentro de mim. Percebi luzes tremeluzindo. Cheguei mais perto e... Existiam casas e pessoas. Mas as pessoas da superfície eram diferentes das pessoas de debaixo d'água. A humana de cima, possuíam formas muito palpáveis e solidas. As daquela cidade afogada eram transparentes e nada solidas. Eu, diferente dos dois tipos, era algo entre os mesmos, nem tão solido nem tão incorpóreo. Tentei falar com elas, mas elas não respondiam. Ficavam fazendo coisas como a de cima, sem nem me notar. Mas diferente da de cima, as mesmas coisas feitas ali não tinham sentido nenhum. Pareciam ser pura repetição.

Desistindo, mudei de direção e ali encontrei mais alguém.

– Quem é? – perguntei.

– Meu nome é Iemanjá, sou a mãe das águas. – disse a sereia negra de asas.

– Você é uma mulher, mas não tem medo de mim?

– É que eu também sou "o desconhecido". Um Karaibebé.

– O que é um Karaibebé? – era bom re-escutar essa palavra.

– Significa Profeta que Voa. E eu vôo de baixo d'água. Bem, eu nem sempre fui um Karaibebé, vim da África, mas me tornei uma quando me sincretizei com uma entidade nativa daqui e fui aceita por esse panteão.

– Carcará me disse para sonhar com vocês! É isso que estou fazendo?

– Isso não é um sonho, mas é tão real quanto um. Quando sonhar, saberá como é.

– Você sabe quem é. Quem eu sou?

– Quem melhor para dar a resposta do que alguém semelhante? Vou te levar lá. Ele fica no rio Poti.

– Como farei isso? – perguntei. – Essa lagoa é cercada de terra por todos os lados.

– Ora, basta que você responda uma pergunta.

– Que pergunta?

– Você tem alma?

– Não sei. Pode uma alma ter alma?

– Ahh – ela riu. – Então você é uma alma?

– Acho que sim – respondi. – Na superfície eu vi um corpo, e debaixo d'água vi almas. Eu sou parecido com elas, mas sou um encantado pagão.

– Então cadê seu corpo?

Pensei. O corpo da superfície tinham alma. E as almas ficavam dentro dos corpos.

– Acho que meu corpo é toda essa água. Eu sou uma alma que nada por meu corpo, procurando algo que só saberei o que é se achar.

– Então tudo que precisa fazer é transcender e baixar em outro corpo – e falando isso ela me puxou pelo braço e me levou para longe.

A maior parte da viajem foi boa, mas logo me senti um invasor, uma alma violando outro corpo. E aquele corpo não era calmo como o meu, era corredor, violento e monstruoso. Senti ali um gosto metálico e vermelho. A gigante Iemanjá me deu um beijo na testa, desejando"sonhe com os Karaibebés e até mais" e nadou para o vazio de onde viemos. 

MAMELUCO, Existência afogada.Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin