Capítulo 1 - Carcará

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Primeiro, uma dor que parecia ter sentido durante muito tempo. A angustia de não respirar. Depois vivo, mas vazio, sem razão e oco apesar de vivo. Fazia... Frio, frio é o que sinto. Estou dentro de algo, flutuando na escuridão ao redor. O que eu sou? Porque existo em vez de não existir? Alias por alguma razão não faz sentido que eu esteja vivo. Eu flutuo no frio, balançando braços e pernas como se sempre tivesse feito isso antes, mas o que antes eu fazia? Algo brilha acima de mim, responsável pela luz que me faz ver. Curiosidade. Vontade. Eu me vou para cima, e parte de me mim emerge de onde estava. As pernas continuam a mover-se para manter-me ali. A luz forte ofusca minha visão acostumada com o escuro. Eu olho ao redor e vejo um mundo mais colorido.

Então vi sinal de vida. Uma moça se banhava ali. Era linda, viva e não parecia ser vazia nem fria, sua vida transpirava sentido. Fiquei feliz, ela poderia me ajudar! Mas quando nadei com entusiasmo até ela, para minha incompreensão ela gritou e fugiu da água, correndo para longe.

– Não, não, espere – foram as minhas primeiras palavras, embora eu não soubesse como sabia falá-las. – O que eu sou?

– Você não sabe? – um pássaro pousou em um tronco flutuante e possuía duas vozes distintas. – Aqui duas palavras definem você. Pagão e encantado.

– Quem é você? – perguntei.

– Sou o Carcará, estou aqui cumprindo minha sina.

– Como eu nasci? – perguntei.

– Pagãos nascem uma vez, mas encantados nascem duas e morrem uma.

– Porque ela correu de mim?

– Você é o mistério. Os humanos temem o que não sabem.

Olhei para mim. Para meus braços, para as pernas balançando e todo o corpo.

– Eu não sou humano? Sou bem parecido com ela.

– Por curto tempo você foi, mas não é mais. Não tenho todas as respostas, mas você é uma criatura da água. Da escuridão você veio a luz. Mas agora deve voltar para a escuridão. Busque na sua origem o que te dá sentido. Se não achar nessa lagoa, procure em outras.

MAMELUCO, Existência afogada.Where stories live. Discover now