CAPÍTULO 5 - OLHOS NEGROS

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Clara suspirou enquanto pensava, repassando algumas respostas que havia conseguido coletar: pela forma como o corte começava a cicatrizar, era provável que estivesse naquela Célula entre uma semana e dez dias. Havia sido atacada pelas tropas do governo o que fazia sentido pelo hematoma que trazia no rosto, e fora resgatada por um dos combatentes, Daniel. O mais importante: não era de dentro da Célula 5, e isso, logicamente a levava a outra pergunta: se não era de lá, de onde era? Teria família, amigos, alguém que sentisse sua falta? Como as tropas a haviam encontrado? Por mais que pensasse e tentasse racionalizar com tudo o que Nana havia lhe contado, não conseguia encontrar as respostas.

O dia anterior havia passado rapidamente. Após Mirela deixá-la no dormitório para que ela "descansasse", Clara havia se esgueirou pelos corredores para mapear o local onde estava. Não havia uma explicação lógica para aquela conduta. Apenas lhe parecia natural.

Cruzando o corredor na direção contrária ao refeitório, Clara encontrou um grande salão com dezenas de macas enfileiradas, a grande maioria, ocupada. Muitas pessoas tinham feridas horríveis que, mesmo tampadas por bandagens, atraiam moscas. Elas pousavam aqui e ali e para afastá-las, os enfermeiros deixavam um punhado de folhas em brasa, soltando longas e finas nuvens de fumaça. O cheiro para ela era facilmente reconhecido: citronela. De onde reconhecia aquele odor? Apenas o nevoeiro continuava ali para responder...

Escondida atrás da porta da enfermaria, fechou os olhos e tentou a todo custo lembrar-se de mais alguma coisa além do cheiro familiar, mas novamente só o branco e o silêncio de sua mente responderam. Mais uma tentativa frustrada que a fez prosseguir seu caminho. Mais à frente, verificou que havia um grande pátio externo onde algumas pessoas treinavam. Observou que todos traziam alguma cicatriz ou uma bandagem leve...Provavelmente feridos que estavam se recuperando para voltar ao combate. Algumas lutavam e mais adiante, outras praticavam tiros com armas que ela não reconhecia.

Estava claro que Nana havia dito a verdade: havia uma guerra em andamento e ela ficou imaginando onde, nesse cenário de caos, se encaixava? Escondeu-se atrás de um pilha de sucata do lado de fora do edifício no momento em que escutou vozes vindo em sua direção. Dois rapazes cruzaram as portas e assim que se distanciaram o suficiente, voltou a entrar. Foi quando uma placa semi destruída e que pendia de uma das paredes lhe chamou a atenção. Ela estava gasta, a tinta era quase como um borrão, mas pôde ler: Centro Universitário de Pesquisas Avançadas — Unicamp.

Nana também não havia mentido sobre isto, o que explicava bastante a diversidade e o tamanho do local que havia sido construído para abrigar várias pessoas.

No final do dia, Clara havia mapeado quase todo o local que havia sido construído em forma retangular com o pátio por onde ela passara ao centro. Entretanto, constatou com um certo pesar, que, embora o local fosse grande, havia diversos espaços vazios como o corredor que levava ao quarto onde ela ficara até fugir.

Naquela manhã Clara encontrava-se sentada na cama enquanto Nana retirava seus pontos. Ela sentia o ardor cada vez que a senhora os puxava e isso fazia com que comprimisse seus lábios ligeiramente enquanto observava suas mãos em seu colo.

Ainda durante a exploração do dia anterior, havia encontrado diversos pequenos grupos: os mais velhos, em sua grande maioria, na cozinha e enfermaria. Alguns jovens reuniams-se em uma sala que ela imaginou ser algum centro de monitoramento pelos diversos mapas e desenhos pendurados nas paredes e em cima de mesas. Havia desenhos como os do atlas que ela havia lido e também alguns outros locais, como as outras células e um prédio central, cercado por outros ao redor num formato redondo. Uma grande área de pasto ou coisa parecida nos fundos completava o desenho. Aquela deveria ser a Cidadela.

Por onde ela esteve? DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora