CAPÍTULO 1 - O NEVOEIRO

1K 110 107
                                    

Imersa em um denso nevoeiro.... Esta era a sensação que a perseguia e com a qual ela lutava até então sem sucesso. Parecia que quanto mais tentava se livrar de seus tentáculos cinzentos, mais eles pareciam aderir a sua pele, seus cabelos e até sua alma. O aperto fantasmagórico parecia querer lhe tirar todo o ar; ele a queria na inconsciência. Por vezes, pensava que seria mais fácil desistir e se deixar levar de vez, mas se recusava a entregar-se. Não o faria! Num último arremedo, sentiu o ar voltar aos pulmões. A visão turva dificultava um pouco as coisas, porém, os outros sentidos encontravam-se aguçados. O burburinho de gente conversando, algumas discutindo foi a primeira coisa que percebeu. Um baque mais ao longe do que parecia ser uma briga. Cheiro de fumaça lhe picou as narinas...seria cigarro de palha? Um odor rançoso de bebida e gente amontoada também se fazia notar. O estômago apertava-se na mesma intensidade daquele mal-estar, fazendo a pele dolorida se arrepiar. E a cabeça... Como latejava! Talvez o torpor da inconsciência fosse melhor do que aquela sensação de ossos triturados... Aos poucos, porém, a visão desanuviou-se o suficiente para que ela pudesse reconhecer onde estava: um bar. Com a visão turva e uma dor de cabeça lancinante, ela sentou-se em uma mesa no canto mais afastado do bar enquanto observava o ambiente: O local era decadente, assim como o restante da vila, iluminado por tochas que pendiam de paredes onde os tijolos permaneciam à vista em diversos pontos em que o reboco há muito caíra. O teto não estava em melhor situação, contando com manchas de umidade e bolor nos cantos. Mais adiante, ele simplesmente desabara deixando entrar a luz da lua de um céu negro sem nuvens. No chão, logo abaixo, havia apenas poças resultantes da chuva passageira que caíra e agitavam-se suavemente com a brisa.

Homens e mulheres se aglomeravam em torno das mesas e bancos improvisados, bebendo, conversando ou mesmo discutindo à luz das velas que disputavam espaço nas mesas com canecas, copos e latas. Todos tinham um aspecto descuidado e sujo: os homens, via de regra, eram barbados, cabelos desgrenhados em um aspecto selvagem enquanto as mulheres traziam cabelos imundos e sorrisos com dentes amarelados ou mesmo faltantes em muitos casos. Roupas sujas, gastas e rasgadas, às vezes tatuagens e piercings completavam o visual grotesco. Um cheiro rançoso pesava no ar, misturado à fumaça e bebida.

Sentada ali, na penumbra após apagar a vela de sua mesa, ela ficou observando o ambiente prestando atenção em um grupo ocupado com uma partida de baralho. Em instantes, uma briga teve início, troca de socos e chutes, as lâminas das facas brilharam, mas quem estava ao redor nem se abalou. Parecia algo corriqueiro por ali. Ela, por sua vez, apertava cada vez mais os braços ao redor de si, tentando manter-se aquecida quando uma tigela com um líquido fumegante apareceu em sua frente, deixada pelo empregado do local. Ela avidamente lançou-se sobre a vasilha e deu o primeiro gole: o líquido era ralo e o gosto horrível, mas a sensação de tê-lo esquentando suas entranhas era tudo o que ela precisava e assim, ignorou o sabor estranho. Ao terminar, depositou a tigela de volta na mesa com a incômoda sensação de que alguém a vigiava. Alerta, passou os olhos ao redor e o encontrou. No meio de uma mesa no centro do salão, quase passando despercebido entre casais que trocavam carícias ousadas, ela divisou uma figura de preto que mantinha um capuz sobre a cabeça. Era, no mínimo, estranho para um lugar tão aglomerado de pessoas que chegava a parecer um forno. Estaria ele doente como ela? Não conseguia divisar suas feições que permaneciam na penumbra da sombra lançada pelo próprio capuz, mas de alguma forma conseguiu sentir o olhar da figura diretamente sobre ela. A mesma sensação incômoda do dia anterior a alertou: hora de ir.

De um sobressalto, sentou-se na cama. Ao mesmo tempo, uma dor lancinante na cabeça a lançou para trás, fazendo-a deitar-se mesmo contra a vontade. Com os dedos, sentiu uma bandagem envolvendo a cabeça e, mais abaixo, próximo à nuca, um calombo dolorido. Quando isso acontecera? Aliás, o que acontecera? Nada. Apenas aquele branco, silêncio e vazio em sua mente como resposta. Tentou, tentou mas o nevoeiro branco continuava. Onde estava e como chegara até ali? Branco... Fechou os olhos em frustração. Abriu-os novamente e olhou ao redor.

Por onde ela esteve? DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora