Capítulo 1: Nas portas do Pomar

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Tlazin lhe recomendara, para não fazer feio, ir cedo, banhado, sóbrio e principalmente bem descansado. Quanto à última parte, tinha pouca escolha. Até a nota ser descontada, o dindim continuaria curto e qualquer bordel de Atlântida estava para o equivalente na Acaia como o vinho de Acaia para o da Atlântida: dez vezes melhor e dez vezes mais caro.

Para sua frustração, tinha pouca sorte fora deles. Em sua terra, a lábia e a boa figura lhe permitiram convencer mais de uma jovem pudica a burlar pais zelosos e maridos ciumentos até isso lhe trazer graves dissabores. Képhalos ameaçara cortar-lhe o saco, em tom muito sério, caso lhes arruinasse os negócios ao tentar seduzir filhas e esposas da colônia acaia local. Quanto às liberadas e exuberantes atlantes de seios nus, faziam-lhe pouco caso. Para elas, os acaios tinham fama de maus amantes, sua aparência era mais engraçada que sedutora e os galanteios mais eficazes para derreter as acaias as faziam rir.

E como lhe advertiram muitas vezes antes mesmo de embarcar em Olísis, nunca, jamais, nem de brincadeira, por todos os deuses do monte Olimpo e do monte Atlas, cogitasse de forçar uma mulher atlante. Geralmente tinham no ventre o poderoso amuleto pekenan, um cordão ornado com presas de felino cujo contato podia até matar o homem que a tocasse contra a vontade. Se conseguisse contornar essa barreira, nenhuma atlante se envergonharia de denunciar um estupro e a punição usual era a escravidão. Para não correr o risco de fazer alguma tolice ao encher a cara, Phaidros tratava de só beber em bordéis e não saía do ciclo vicioso. Tlazin lhe oferecera, além do mais, uma chance de quebrá-lo.

O endereço era no bairro das Pedrarias, não muito longe do bairro acaio do Purokheion onde se estabelecera, mas cada um dos cinquenta bairros da metrópole era vinte vezes maior que sua Olísis natal. A intrincada rede de ruas, pontes, canais e ilhas não formava um padrão discernível e a cidade, muito plana, oferecia poucas referências visíveis naquela área para além da atordoante variedade de fachadas, estátuas, fontes e jardins. Phaidros fora aconselhado a chegar cedo para receber as devidas explicações, mas foi a pé para economizar a tarifa do gondoleiro e se perdeu mais de uma vez. Felizmente, o povo não lhe negava informações.

Por fim, chegou a um canal afastado das vias principais do bairro e de suas famosas joalherias e casas de cristais mágicos. Caminhando pela calçada entre o canal e as vilas residenciais, encontrou o lugar indicado. Uma vila de estilo comum na Capital, semelhante a um pequeno castelo de quatro blocos e um mirante, construído em pedras brancas, pretas e vermelhas de tamanhos e formatos variados, dispostas em padrões decorativos e encaixadas como um quebra-cabeça para formar paredes, janelas e portas levemente trapezoidais, técnica que as tornava imunes aos frequentes terremotos.

A entrada para o pátio interno da vila era enquadrada por um duplo totem de bronze que a identificava como a família Zitció do clã Quar, a Tartaruga, mas não devia entrar por ali e sim na casa à direita da entrada, separada das demais por uma cerca baixa, com uma porta discreta ao canto e sinais de reforma. A família decerto a adaptara para um uso diferente do original. Na parede, uma bandeira com uma árvore carregada de frutas e pássaros, como Tlazin lhe descrevera. Niahmon Quolam, "Pomar do Passaredo", o dlaugor que se reunia nos dias-de-leão, ou seja, a cada primeiro dia da quatorzena senzar. Sobre a porta, a carranca de longas presas da deusa Guindon vedava o lugar a crianças, como já vira em bordéis. Mais horripilante que a Górgona dos acaios, era toda feita de serpentes, não só o cabelo.

Depois de hesitar por um momento, Phaidros atravessou a cortina de cordas pendurada à porta. Encontrou um corredor largo e, sentados à uma mesinha, dois senzares, um homem de cabelo em cuia e uma mulher de franja cheia e arredondada, ao modo do clã Quar.

Ça benvan!– Saudou o homem erguendo a mão, com expressão curiosa.

Zihn van! – Respondeu Phaidros.

O Pomar do PassaredoWhere stories live. Discover now