Capítulo 1: Nas portas do Pomar

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– Primeira vez? – Perguntou a mulher, madura e jovial, apoiando o queixo nas mãos trançadas com um sorriso franco. Ele confirmou. – Posso perguntar quem te indicou?

– Sou Phaidros de Olísis. Sã-hin... digo, Tlazin-bã me indicou como substituto. –Apresentou a carta selada e olhou de soslaio para os seios nus. Outro costume atlante com o qual deveria estar acostumado, mas poucas phaiassas os tinham tão volumosos e de aréolas tão grandes.

Ela abriu e conferiu.

– Bem-vindo. Sabes, em linhas gerais, o que faremos aqui?

– Hã... vagamente. Tlazin-bã não entrou em minúcias. – Coçou a cabeça.

– Nem poderia – interveio o homem. – A regra mais importante é: não se fala lá fora do que se faz aqui dentro, nem se fala aqui dentro do que se faz lá fora. Preciso pedir-te para jurar por Gutis não falar do que acontecer aqui a quem não pertencer ao círculo.

Phaidros hesitou antes de atender. Era um juramento muito sério em Atlântida. Gutis era uma divindade severa, encarregada de punir os perjuros com as mais terríveis torturas do Além. Mas seria ridículo chegar a esse ponto e voltar atrás. O senzar então pediu à mulher para orientá-lo enquanto recebia mais um retardatário.

– Bom, sou Sorlau-bã, meu marido é Lontli-bã e somos os mestres de cerimônia do teu dlaugor. – Explicou a mulher, ao conduzi-lo ao fundo do corredor. – Neste vestiário, deixas para trás estatuto, estado civil e tudo o mais, estás livre! Põe num dos nichos roupas, sandálias, anéis, braceletes e esquece teu nome. Aqui, os homens adotam nomes de pássaros e as mulheres nomes de frutas. Teu amigo, por exemplo, é o Cuco. Que ave queres ser?

– Hã... Qual te parece adequada? – Sentou-se num banquinho para desatar as sandálias.

– A escolha é minha? – Deu um sorriso maroto. – Então, serás o Pica-pau, combina com teu topete vermelho. Trata todas as mulheres, exceto eu, como xin, "desejo", e os demais como , "amizade". As mulheres aqui tiram o pekenan, usam apenas um xedli para se proteger de gravidez e doenças. Podes tocá-las socialmente ou de maneira carinhosa sem receio, mas reserva os toques íntimos para aquelas sorteadas a cada jogo.

– Jogo? – Despiu-se, tenso. Sorlau o olhava sem pudor. Outras pessoas entravam, deixavam suas coisas, punham uma tanga e saíam sem prestar atenção neles.

– Faremos vários e a cada um deles, cada homem será sorteado por uma mulher, ou vice-versa. Meu companheiro instrui os homens quando a iniciativa é deles e eu falo quando é a vez das mulheres. Nos intervalos, tratas com quem quiseres e te serves de comes e bebes, mas no jogo, toda a atenção será para a parceira da vez. Não podes recusá-la, nem fugir ao mote. Seja gentil ao mandar e complacente ao obedecer, isso é principal. Tem calma e não te apresses a gozar ou ficarás sem fôlego. E põe isto, no princípio se usa.

Deu-lhe uma tanga multicolorida, do tipo usado pelos atlantes em ocasiões festivas. Pica-pau atrapalhou-se ao vesti-la, por ser bem mais longa que uma tanga acaia. Sem pedir licença, Sorlau a arrumou para ele e o despachou com um sorriso e um tapinha no traseiro.

– Relaxa e anima-te! – Encorajou ela, brincalhona. – O teu pinto está menor que meu mindinho, mas no momento certo, saberá cantar de galo!

Era um grande salão de festas, com almofadas e esteiras espalhadas pelo chão de mosaico, tapeçarias decorativas pelas paredes, flores, arcas e bancos pelos cantos e faixas de seda colorida penduradas das traves do teto. Tinha pé-direito duplo e na parte alta, janelas arejavam e iluminavam, exceto de um dos lados, no qual a metade superior da parede era substituída por uma cortina de cordas. Dali se fazia ouvir música de alaúde, flautas e tambores. Músicos tocavam por trás, sem verem os convidados nem serem vistos por eles.

Ao fundo, duas mesas compridas, uma com pães, frutas e tigelas de molhos e cozidos com aroma de pimenta e especiarias e outra de talhas de água e jarros de bebidas fermentadas. Juntou-se aos convivas que ali beliscavam. Metade eram senzares, phaiakes e phaiassas de cabelos negros e lisos, olhos rasgados e corpos de bronze escuro. Outros pertenciam à gente de cor de ébano e cabelo crespo que os atlantes chamavam tlavatlis e os acaios mauroi. Havia ainda pessoas de cabelos negros e pele relativamente clara, nunca tanto quanto a dele.

Alguns recém-chegados à maioridade, outros perto da meia-idade, alguns magros, outros carnudos, mas todos de aparência saudável e exercitada. Corpos perfeitos, exceto por uma moça com um braço atrofiado, provável sequela de uma paralisia infantil. Os vaidosos atlantes valorizavam a forma física tanto quanto os acaios. Nesse particular, Pica-pau estava à altura de comparações e sabia que o seu pau também não faria feio se conseguisse relaxar.

Para ajudá-lo, serviu-se de um bom copo. Vinho tinto atlante, razoavelmente bebível,mas avaliado por seu paladar experiente em quatro ânforas por um ás. O problema é o excesso de fartura, pensou. Com uma terra tão vasta, fértil e bem irrigada, mais vale produzir barato em quantidade e não pensar demasiado em qualidade. O segredo da perfeição do vinho acaio estava nas quintas pequenas e na terra seca e agreste, onde o camponês e seus filhos tinham de trabalhar de sol a sol para regar e adubar cada videira e proteger cada cacho.

Um contato suave no ombro lhe interrompeu a filosofia. Virou-se e abriu um sorriso. A primeira atlante a tocá-lo em meses sem ser por razões profissionais era uma phaiassa jovem e bonita. Corpo de pantera, nariz delicado, olhos brilhantes, boca carnuda e covinhas.

Ça! – Uma saudação informal e íntima.Bem-vindo, sou Tâmara. Como te chamas?

Enquanto segurava um copo de cerâmica com a direita, ajeitou com a esquerda as finas tranças amarradas com cordões e peninhas vermelhas, típicas das mulheres Fun, ou seja, Fênix. O clã estava no próprio ser, não se deixava no vestiário.

– He... Ah, Pica-pau.

–Gostei! És acaio?

– Sim. Por quê?

– Fiquei curiosa – Tomou um gole de sua bebida leitosa, sem tirar os olhos dele. – Nunca tivemos um acaio aqui. Eu nunca tive, Pica-pau-xin.

Ficou arrepiado e o seu passarinho se espichou no ninho. Decidiu ser mais atrevido.

– Gostarias de experimentar, Tâmara-xin? – Acariciou-a na cintura, onde se pendurava o cordão desdentado do xedli e ela sorriu.

– Para isso estamos aqui, por experiências novas, não é? Para nós, é embaraçoso sermos vistas com bárbaros. Mas aqui é o lugar de perder a vergonha para conferir se são mesmo tão toscos quanto dizem e se algum tanto de brutalidade pode ser divertido.

Pica-pau ficou desconcertado. Na dúvida sobre se deveria desmentir a fama dos bárbaros ou confirmá-la, mudou de assunto.

– Adoro essas covinhas! Dá-me vontade de morder-te!

– Que bom! E eu tenho uma queda para o exótico. – Acariciou-lhe os cachos ruivos.

Abraçou-a e beijou-a num repente que a fez derrubar o copo, mas ela não protestou e enroscou a língua na sua. O sabor refrescante de vinho de arroz lhe ferveu o sangue nas veias, os braços eram tão macios quanto os imaginara. Ignorou os três fortes toques de gongo.

Até que Sorlau segurou seu ombro, decidida.

– Vamos, é hora de começar. Nada vos impede de marcar um encontro a sós para outro dia, mas agora precisais juntar-vos ao grupo.

Pica-pau quase a xingou, mas suspirou e obedeceu. Haveria outra oportunidade.

– Era bem isso que eu queria dizer com rudeza divertida. – Sussurrou Tâmara ao largá-lo.

O Pomar do PassaredoOnde histórias criam vida. Descubra agora