"A maldade bebe a maior parte do veneno que produz."
– Que tédio!
– Por que você não ajuda seu tio a varrer o quintal ? – o pai perguntou, lendo o jornal.
– Porque eu não quero.
– Então não fique reclamando que está no tédio.
– Eu não estava reclamando pra você.
– Já fez todas as suas atividades da escola ?
– Por que não cuida da sua vida ?
– ADAM! – a mãe apareceu da porta da cozinha. – O que está havendo com você ?
– Nada, mamãe – ele sorriu ironicamente. - Você sabe que eu amo estar aqui.
Anne suspirou e voltou para à cozinha. O pai parou de ler o jornal e ficou olhando para Adam.
– Tá me achando bonito ?
– Adam, vá ajudar o seu tio a varrer o quintal.
– Não – Adam olhou para ele.
– Adam, vá agora.
Ele nem se mexeu. Enrique jogou o jornal na cadeira e fez menção de se levantar. Adam bocejou. Parecia estar querendo provocar uma discussão. A mãe reapareceu na porta da cozinha.
– Você já foi ? – o pai perguntou.
– Que pergunta mais idiota. Não tá me vendo aqui ? Eu nem fui, nem irei.
– Adam, obedeça a seu pai – a mãe pediu.
– Não.
Então vários pares de olhos curiosos surgiram na porta da cozinha e ao pé da escada, em expectativa. O pai se levantou do sofá. Adam nem piscou, estava totalmente despreocupado.
– Levante-se daí agora – Enrique ordenou.
– Por que eu faria isso ? – o garoto deu de ombros. – Eu nem queria vir pra cá, mesmo.
Enrique já havia perdido o controle e não sabia mais o que ao certo iria fazer com Adam quando a tia apareceu e se aproximou dele. O olhar dela pedia para que ele se acalmasse. Ela se aproximou de Adam:
– Você quer fazer o que ? Que tal subir pro meu quarto ? Você pode usar o meu notebook, se quiser.
– Tá bom aqui – ele olhou para o pai.
– Vamos lá, Adam, por favor – a tia insistiu.
Ele suspirou e se levantou. Então subiu as escadas e sumiu da vista de todos. Anne passou a mão pela testa.
– Ai meu Deus! Eu não sei mais o que fazer. Ele nunca agiu assim – ela se queixou.
Enrique bufou.
– Eu sei perfeitamente do que ele está precisando.
– Calma! – a tia interveio. – Ele não está precisando de nada além de paciência. Vocês já pararam para perceber que o irmão e um dos únicos amigos do Adam morreram ? Como ele deve estar se sentindo com isso ? Deve estar frustrado, preocupado, desconfiado, inseguro. Deem crédito ao garoto pelo menos uma vez na vida, vocês nunca deram o carinho e atenção necessária a ele, e agora vêm reclamar da rebeldia ?
Anne arfou:
– O que está querendo dizer com isso ? Nós sempre zelamos pelo Adam e demos tudo que ele queria.
– Ah, é mesmo ? E por que será que eu nunca vi você depositar um abraço sequer no seu filho ? Quantas vezes ele fez alguma coisa importante e vocês nem pra elogiar estavam presentes ? Fale-me, o que o Adam mais gosta de fazer ?
Anne olhou para os presentes na sala e depois para Enrique. Retomou o ar.
– Bem, ele costuma ficar o dia todo dentro do quarto, como os adolescentes comuns. Às vezes ele até assiste televisão na sala, mas não gosta de ser incomodado.
– E só vive com aqueles fones de ouvido – Enrique complementou.
– Mas que tipo de pais vocês são ? – a tia meneou a cabeça. – Adam passou apenas poucas horas comigo e sabe o que eu percebi ? Que ele gosta de ler; tem um talento enorme para desenhar; é calado, porém quando conversamos com ele, sabe ser educado e fala de vários temas abordados da atualidade; é bem observador; gosta de ouvir algumas bandas bem metálicas e de rock bem pesado, mas também gosta de músicas calmas; e acima de tudo: não tem ninguém para compartilhar nenhuma das suas experiências. Isso se deve a quem ? Aos pais ausentes como vocês. Agora me falem de Alan... Aposto como sabem exatamente de todos os gostos do falecido filhinho de vocês.
– Olhe aqui, pode ser que a gente não saiba muita coisa sobre o Adam, mas ele também é nosso filho. E se não nos aproximamos dele foi porque ele sempre foi retraído e muito fechado – Anne se defendeu. – Alan sempre vinha conversar, falar sobre o que acontecia com ele, era divertido e se dava bem com todo mundo. Enquanto Adam sempre ficou na dele, não conversa com ninguém se não lhe chamarem a atenção, nunca fala muito sobre sua vida mesmo que for perguntado e anda ficando muito malcriado. Acho que é de tanto receber tudo que quer de mão cheia. Vou começar a cortar certas coisas dele.
– Alan sempre foi assim – a avó se intrometeu. – Mas porque vocês davam chance a ele, davam mais atenção desde que era pequeno. Quanto a Adam, vocês o cobriam de presentes e vontades atendidas para mantê-lo entretido, como se não gostassem da presença do garoto. E aí está o resultado: ele é quieto, recluso, teimoso e está revelando seu descontento com vocês a base da rebeldia.
– Mamãe! – Anne gritou como se tivesse recebido uma facada pelas costas. – O que você está dizendo ?
– Estou dizendo que Adam nunca devia ter sido criado por vocês. E que me arrependi muito de não tê-lo trazido para a minha casa. Com certeza ele estaria muito melhor comigo.
Enrique suspirou alto e saiu da sala. Anne desabou no sofá e se pôs a chorar.
– Era para Amanda estar aqui, ela teria sido muito mais competente nessa tarefa.
A tia se aproximou dela e sentou-se ao seu lado. O resto da família havia acompanhado tudo e agora se aproximavam também. A avó fechou os olhos, pensativa, e depois os abriu novamente. Iria falar alguma coisa quando Adam irrompeu descendo as escadas.
– Mãe. Por que está chorando ?
Anne enxugou as lágrimas.
– Nada, eu estava só conversando com sua tia Amelie e sua avó. Como você está ?
– Eu queria ir para casa – ele parou ao pé da escada e olhou para à avó. – Desculpe-me, vovó, não é que eu não goste da senhora. Mas aqui tem muita gente, eu não gosto muito disso.
– Eu entendo – a avó sorriu e se levantou do sofá. – Seu tio Ary vai deixar Jasmim e as crianças em casa, você poderia ir com ele.
– Mas... Ele ainda vai passar no supermercado, se você não se importar – a tia fez parecer mais uma pergunta.
– Onde está o meu pai ? – ele perguntou.
– Ele foi em direção à cozinha – Anne respondeu.
Adam agradeceu e foi até lá. Enrique estava sentado na cadeira próximo a porta, lendo o jornal, enquanto Jasmim arrumava às malas para ir para casa.
– Pai... Tio Ary vai deixar Jasmim em casa, só que eles vão ao supermercado antes. Eu poderia ir com o carro ?
Enrique nem levantou a cabeça para responder:
– Vá. Só lembre-se de vir nos buscar amanhã.
– Certo. Obrigado. – Adam quase deu pulos de alegria e saiu da cozinha.
~~~
YOU ARE READING
A lenda de Selene Adams. (PARADA)
Mystery / ThrillerComo em todo bom conto ou quem dirá em uma lenda, pode haver o típico início: "Era uma vez"; mas, talvez, aqui não terá essa de "final feliz". Nem se torna preciso a realidade por si só é imprevisível. Contudo, não há como negar que tudo dependerá d...