O jantar

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   Chegou a hora.
   A ansiedade me consome mais a cada instante.
   Estou pronta. Arrumada para um dos momentos mais tensos que vivi. A indecisão do certo e errado, a falta de certeza em mim mesma, uma garota tão centrada em seu próprio jeito de viver.
   Ele não me disse a qual restaurante iríamos, então a questão "vestimenta" se tornou algo incompreensível na minha cabeça. Seria um restaurante chique? Um vestido à altura do joelho e um salto cairia bem? E se fosse algo mais informal, o que eu usaria? Calça jeans e uma blusinha? Não sei, única coisa que sei é que as horas estão passando e eu ainda não estou pronta.
   Pronto. Arrumada. Em caso de ser um restaurante meia boca serei a melhor arrumada, e se for um bem chique, quero fazer questão de não ser a pior vestida. Um salto preto fosco, o único salto do meu guarda roupa, e um vestido azul royal, com um corte perfeito, de uma procedência autentica do guarda roupa de minha irmã. Estava pronta para aquele momento.
   E ele ligou.
   Sua voz deixava explícita a sua empolgação, como um garotinho de 10 anos esperando por seu brinquedo de natal. E ele disse com aquela rouca e animada voz:

   -Biologia! Boa noite, flor da noite ... ou algo do tipo. Eu não sou muito bom com romantismo ou cantadas não é mesmo? (Risos). Enfim, como minha princesa está?
   Ele não se dava tão bem em romantismo, mas era dono de um ótimo humor.

   -Olá senhor Adriano. Eu estou esplendidamente bem, e vossa pessoa, meu caro? (Risos). Desculpa, sei como odeia formalidades, mas essa foi inevitável. (Risos)
   Respondi.

   -Estou ótimo meu amor. (Risos) Está pronta? Em cerca de 10 minutos estou aí. Juro que hoje você se apaixona por mim. (Risos)
    Mal sabia ele que eu já estava apaixonada. Mas por quem? Por ele, é claro, mas por quê? Eu não sei, juro que não sei, apenas não paro de pensar nesse homem, ele me dominou de uma forma desconhecida, e usando meios invisíveis.
   Fiquei nesse pensamento por uns segundos, e esqueci de responder, logo que reparei já fui respondendo:

   -Sim, sim ... NÃO, PERA. Eu to pronta sim, agora não que vou me apaixonar. Ou sei lá, posso me apaixonar. Não ... A MEU DEUS, VOCÊ ENTENDEU NÃO É MESMO? (Risos). Enfim, pode vir, estou pronta.

    -Okay, estou indo docinho. Me espere na porta do seu prédio, estou chegando.
    E desligou.

   E se passou os 10 minutos e desci, e lá estava ele. Um terno grafite, com riscas de giz, uma camisa cinza e uma gravata da cor preta, combinando com seu carro. E que carro. Não sabia que editora dava tão dinheiro assim. Uma BMW 320i, com cheiro de nova ... isso com certeza seria um jantar chique, bem chique, e eu acertei no vestido.

    Nos cumprimentamos com um leve e único beijo no rosto, e um frio abraço, mas ao final seu sorriso me mostrava que nada estava errado. Num estranho ato de cavalheirismo ele abriu a porta do banco de passageiros, e a fechou depois que já estava acomodada em meu assento.
 
    Durante os primeiros 5 minutos de trajeto ele permaneceu calado, com um ar de vergonha e ansiedade. Nesse tempo de silêncio eu fui analisando o interior daquele carro, todo de couro caramelo: painel, estofados, volante ... e segurando o volante aquelas mãos fortes, não deixei de notar a marca de sua aliança que não mais existia no seu anelar, logo, separado.
   
    Depois de uns 10 minutos que entramos no carro ele fala algo pela primeira vez:

   - Espero que você goste de lá, é o melhor que eu conheço.
   Ele disse rindo.

    - Não importa, contigo é impossível algo ser ruim.
   Respondi dando um sorriso e indo em direção para pegar sua mão direita que no momento estava livre. Ela estava gelada e suada, demonstrando sua tensão e nervosismo naquele momento.

   Ele retribuiu o sorriso e segurou mais forte minha mão, entrelaçando seus dedos com os meus. Nesse momento um calafrio foi subindo por minhas pernas, com uma mistura de medo e apreensão com um toque no final de realização ... pra quem não consegue decifrar, pense num vinho tinto seco, cada gole acompanhado por 3 momentos: o primeiro é o aroma, batendo como aceitável a seu paladar, o segundo é o líquido em sua boca passando por ela todo o sabor, e no final um gole amadeirado, mas de secar a garganta, implorando assim por mais um gole. E era isso que eu queria naquele instante: mais.

    Finalmente chegamos, não era tão distante assim de casa, cerca de 2 quilômetros de ruas calmas, tão perto mas nunca ouvi falar de tal recinto.

    Ao chegarmos um manobrista nos recepcionou e já foi logo demonstrando que o restaurante é de uma pura finesse, onde até os seus funcionários se vestiam de forma totalmente casual. A recepcionista do local nos instruiu à mesa indicada, uma ao lado de uma janela que dava pra ver ao longe o Bosque Alemão aqui da cidade, que a noite faz lembrar bastante a europa antiga. O restaurante era lindo, a vista perfeita, o homem nem se fala ... tudo igualzinho como nas histórias de princesa, onde o final feliz era dado como uma certeza.

   Estávamos ali sentados esperando o atendimento do garçom, quando ele pegou na mão e disse:

   - Tudo bem amor? Você está confortável?
  
    Digo que sim com a cabeça e dando um sorriso um tanto quanto tímido enquanto arrumo meus cabelos para atrás da orelha, cena típica de clichês Hollywoodianos.

   Naquele momento passa tudo pela minha cabeça. Seu casamento, minha faculdade, seus possíveis filhos, minha instabilidade emocional, seus lindos olhos que sorriam para mim ... e enfim o garçom chega para efetuarmos o pedido.

    Passou como um raio o tempo ali juntos. Comemos a melhor comida, bebemos o melhor vinho da adega e vivemos o nosso momento mais íntimo até aquele instante. No papo que tivemos descobri que ele não tem filhos, mas por conta de sua ex-esposa não poder engravidar, descobri também que ele não era nativo de Curitiba, mas sim de Americana, interior de São Paulo, e tinha se mudado para cá com a esposa a cerca de 6 meses por conta de uma transferência no trabalho. Sabia tudo sobre ele naquele instante, sua cor preferida, seu sabor de bolo preferido, sua banda preferida, seu lazer preferido, seus escritores preferidos ... sabia tudo sobre ele, mas no fim das contas não sabia nada.

    Após o jantar ele sugeriu um "after" em sua casa, já que o jantar havia acabado cedo, eu como estava completamente envolvida naquele clima aceitei sem pensar duas vezes.

   Ao descermos do seu carro, ele puxou pela cintura de um jeito forte mas não agressivo, e eu me deixei levar ... o primeiro beijo.
   Quente, molhado, e com muita paixão no meio. Isso mesmo, paixão, naquele momento me reconheci apaixonada por aquele homem que tinha conhecido em menos de uma semana. Seu toque era maravilhoso, a forma como nossas bocas conversavam, o jeito como nossos corpos se casavam naquele abraço ... com certeza era único.

    Maldito jantar, maldita paixão, maldito dia que aceitei ir pra casa de um desconhecido.

O Destruidor de sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora